sábado, 19 de março de 2011

A cadeia de valor dos impostos

No livro Colapso: Ascensão e queda das sociedades humanas, Jared Diamond discute como as pessoas podem influenciar as atitudes ambientais das empresas que exploram os recursos naturais do planeta. Para isso, compara o sector petrolífero com o sector mineiro. É de algum modo surpreendente que os impactos ambientais do sector mineiro sejam bastante superiores aos do sector petrolífero, mas as preocupações ambientais do primeiro, por exemplo nos gasto com segurança, são muito inferiores às do segundo. Diamond aponta várias razões, como seja as superiores margens de lucro das empresas petrolíferas, mas aquela que vou abordar é o impacto que as pessoas podem ter nas decisões das empresas sobre questões ambientais.

Uma diferença entre o sector mineiro e o sector petrolífero está na capacidade das pessoas identificarem a cadeia de valor das empresas petrolíferas. A informação sobre um derrame de crude da responsabilidade de uma empresa petrolífera pode influenciar a nossa decisão acerca de abastecermos o nosso automóvel numa estação de combustível dessa empresa. Ou seja, as pessoas possuem algum conhecimento sobre a cadeia de valor da empresa pelo que podem decidir se participam nela como clientes.

Por outro lado, quando adquirimos um automóvel não sabemos de que mina, e empresa mineira, é proveniente o cobre utilizado no fabrico do automóvel. A cadeia de valor de produção do cobre não possui uma identidade que permita a sua identificação pelos clientes finais. A produção de cobre desvanece-se nas cadeias de valor dos produtos em que é utilizado. Desta forma, a pressão sobre as companhias mineiras para terem preocupações ambientais é menor.

Um outro caso em que as cadeias de valor perdem a sua identidade é a do chocolate. Crianças trabalham nas explorações agrícolas de cacau, algumas das quais numa situação de quase escravatura. O problema é idêntico ao do sector mineiro. Quando estou a comer um delicioso chocolate negro não tenho forma de saber em que condições foi produzido o cacau usado no seu fabrico.

No caso do cacau existem iniciativas de certificação do cacau produzido sem a utilização de trabalho escravo, mas há notícias de armazéns certificados receberem a produção de explorações agrícolas não certificadas. Como será possível tornar os processos de certificação mais credíveis e auditáveis pelos consumidores finais?

Um problema semelhante passa-se na cadeia de valor dos impostos. Neste caso as pessoas estão em ambas as pontas da cadeia de valor, como contribuintes e como cidadãos. Mas também aqui lhes é difícil perceber como cidadãos se as suas contribuições foram devidamente aplicadas. Nos últimos anos, os sistemas de informação têm-se mostrado eficazes em garantir que todos os cidadãos contribuem. Mas também deveriam permitir a sua participação na certificação de todo o processo de aplicação das suas contribuições.

2 comentários:

Anónimo disse...

Não é possível, nem desejável, que os contribuintes decidam directamente onde gastar os seus impostos. O que se pode é tornar o processo transparente (para permitir verificação e evitar abusos de poder). É um processo colectivo e inevitavelmente terá que haver delegação em agentes políticos - representantes dos eleitores/contribuintes. O desafio está em desenhar bem o mecanismo de representação política e asssegurar a transparência para a necessária accountability.

sg

António Rito Silva disse...

Sim, a transparência é o primeiro passo para a accountability. Percebo que a "distanciação" entre quem paga e onde se gasta, permite dissipar alguns egoísmos imediatos, daí a vantagem da delegação nos agentes políticos. Infelizmente, esse argumento é muitas vezes usado para limitar a transparência.
Ainda assim, acho que é necessário começar a exercitar alguns processos mais directos. Pode ser que haja surpresas e que as pessoas não sejam tão imediatamente egoístas.
Os sistemas de informação podem trazer novas perspectivas sobre formas de participação das pessoas, que eram impensáveis há alguns anos.