segunda-feira, 25 de abril de 2011

Da democracia e Dos genes

No dia 25 de Abril de 1974 tinha 10 anos. É uma boa idade para observar uma revolução. Já tinha alguma experiência da clandestinidade :-), escondíamos-nos sempre que aparecia a polícia por estarmos a jogar à bola na rua, mas ainda não tinha sido necessário aderir a alguma ideia redutora das outras ideias. Alguns dias após o 25 de Abril presenciei, estupefacto, o professor da 4ª classe dizer que também tinha sido perseguido pela PIDE. Estupefacto, porque não sabia o que era a PIDE, mas, sobretudo, porque falava como um companheiro, bem distante do professor que dava uma reguada por cada erro, acima dos cinco, no ditado. Também ganhei curiosidade por Álvaro Cunhal e Salazar, que nas descrições "fiéis" surgem com uma aura de pureza e determinação, acima do comum dos mortais.

O clássico de Richard Dawkins, O Gene Egoísta, descreve a evolução como a competição entre os genes, onde o organismo/corpo é apenas um mecanismo desenvolvido pelos genes para se manterem e tornarem dominantes na "pool" de genes. No fim do livro, Dawkins tem um capítulo onde conjectura, por analogia, que algo de semelhante se passará com a cultura. Os memes serão os elementos mínimos da cultura, como as ideias, que competem entre si para se manterem na "pool" de memes. Por exemplo, os dissidentes da ex União Soviética, que não professavam a ideia dominante do comunismo, eram frequentemente acusados de sofrerem doenças mentais, o que de imediato excluía as suas ideias da "pool" de memes por serem mal formadas.

A democracia é bastante diferente na Rússia, em Portugal e na Noruega, não obstante as regras básicas serem provavelmente as mesmas. Os genes das regras democráticas são os mesmos mas os memes das pessoas que vivem nesses países são muito diferentes. 

Neste momento de crise em Portugal refere-se que os políticos são maus, geneticamente impuros, e procuram-se outros que não sejam políticos. É necessário retirar estes políticos da "pool" de políticos e colocar lá outros que não o sejam, diz-se. Contudo, os genes dos políticos são iguais aos de todos os outros políticos no mundo, e das pessoas que eles representam. Parece que a diferença está nos memes. 

Os sistemas de informação também têm os seus genes e os seus memes. Para os primeiros temos as suas características próprias, as funcionalidades e não-funcionalidades, normalmente referidas como os requisitos dos sistemas de informação. Mas estas não determinam necessariamente a forma como irão ser usados. De facto, as pessoas apropriam-se dos sistemas de informação e usam-nos de formas para as quais estes não foram desenhados. Esta apropriação é influenciada pelas ideias, memes, que as pessoas têm acerca dos sistemas e de si próprios. Por exemplo, o facto de um sistema de informação ter uma funcionalidade que permite aos cidadãos obter informação que lhes permitirá auditar a actividade dos governantes, não implica que ela seja efectivamente usada, pois os cidadãos podem achar que "não vale a pena", "não serve de nada", ou até mesmo questionarem a fiabilidade dessa informação. 

Assim, os sistemas de informação para a cidadania virtual, onde existem funcionalidades para uma participação mais directa dos cidadãos na democracia, não asseguram por si só que as pessoas os usem para conseguir uma melhor democracia, da mesma forma que o funcionamento da democracia difere conforme as culturas. É necessário garantir que os cidadãos se apropriem dos sistemas da forma adequada. Para isso as funcionalidades devem permitir dar o retorno esperado aos cidadãos. Deve haver um constante reforço do valor da participação, e da vantagem de participar, e assim contribuir para o aumento da cultura democrática. 

sábado, 2 de abril de 2011

Onde começa a avaliação

A avaliação dos professores do ensino básico e secundário tem sido prolongadamente discutida. São inúmeros os parâmetros de avaliação, desde o progresso escolar dos alunos, até à assiduidade dos docentes e à organização de actividades extracurriculares.

Não obstante longamente discutida, a questão continua em aberto e prevê-se que venha a ser de novo discutida. Contudo, creio que existe um outra questão que tem que ser respondida primeiro. E é relativa aos alunos.

Como avaliar o percurso escolar dos alunos de uma forma imparcial e levando em consideração as especificidades sociais e económicas de cada aluno?

Para se responder a esta questão é necessário desenhar um sistema de informação que armazene os resultados escolares de cada aluno. Contudo isso não é suficiente. A progressão escolar do aluno deve ser ponderada pelo seu contexto social e económico.

É necessário escolher quais os aspectos sociais e económicos a considerar e os pesos para ponderar cada um deles. E eles poderão inclusivamente variar ao longo do tempo. Essa variação pode ocorrer por duas razões. Quer porque os tipos de condição social e económica dos alunos se alteram, ou porque os dados que vão sendo acumulados no sistema de informação permitem novas perspectivas sobre as realidades sociais e económicas dos alunos.

Esta é um dos exemplos de metamorfose entre a tecnologia e as organizações. Por um lado, os indicadores para os aspectos sociais e económicos são definidos em função da nossa percepção da realidade social e económica, mas, por outro lado, a existência do sistema vai permitir que tenhamos novas percepções sobre a realidade social e económica. Adicionalmente, a existência de um sistema de informação como este irá provocar alterações nos comportamentos dos stakeholders, o que obrigará à evolução do próprio sistema. 

Um exemplo de como um sistema de incentivos, o qual pressupõe uma avaliação, influencia o comportamento dos stakeholders vem descrito no livro Freakonomics. Em Freakonomics os stakeholders que respondem aos incentivos são professores, mas, não é estranhar que, se por exemplo, os resultados dos exames nacionais for primeira página sensacionalista dos jornais, e não obstante a educação ser uma corrida de fundo, os responsáveis pela gestão da educação tenham os incentivos errados.

Ou seja, não basta ter um sistema de informação é também necessário criar o contexto organizacional em que ele funcione de acordo com os objectivos para que foi desenhado. Neste caso da avaliação dos alunos, é necessário que a avaliação do percurso dos alunos seja imparcial. Para isso os alunos devem ser submetidos a avaliações uniformes e o processo deve ser auditado pelos cidadãos. O sistema de informação poderá ajudar na auditoria. De facto, foi por análise de um grande conjunto de dados que os autores de Freakonomics obtiveram as suas conclusões. Os cidadãos devem poder ter acesso aos dados do sistema de informação, uma vez que estes sejam limpos de informação pessoal. Assim, haverá um importante factor de regulação do sistema. Como os grupos de cidadãos se poderão organizar está relacionado com os aspectos da cidadania virtual e das comunidades virtuais que já referi em posts anteriores.

Concluindo, ao avaliar o percurso dos alunos estamos a criar as condições para avaliar todos os stakeholders do sistema. Relativamente aos professores, será inclusivamente possível criar incentivos para premiar os professores que conseguem bons resultados com os alunos social e economicamente mais desfavorecidos.

Mas também é possível avaliar os gestores da educação, e dada a existência de dados mais objectivos os incentivos serão para se concentrarem na eficácia e eficiência. Claro que os resultados serão menos espectaculares, não haverá significativas mudanças do sucesso escolar de um ano para o outro. Mas uma vez que isso seja percebido pelas pessoas, os incentivos para os gestores da educação serão reforçados no sentido certo.

A informação disponibilizada pelo sistema de informação estará mais próxima da realidade e será um bom indicador para apoio à decisão. Ela permitirá indicar como vai ser a nossa competitividade daqui a 20 anos relativamente aos restantes países europeus, claro que para isso é necessário ter programas e avaliações uniformes a nível europeu para as algumas disciplinas. Também indicará se as zonas socialmente mais desfavorecidas se encontram em evolução para uma sociedade mais equilibrada ou em direcção à criação, ou manutenção, de uma zona de exclusão social.

E acima de tudo, os cidadãos terão acesso a esta informação e podem ter uma influência mais directa sobre as políticas educativas e sociais, a sua eficácia e eficiência, nas quais é aplicado o dinheiro dos seus impostos.