terça-feira, 29 de março de 2011

Onde pára o conhecimento

Há algum tempo atrás fui contactado pelos responsáveis do sistema de informação de um organismo público. Não estavam satisfeitos com a empresa de software que desenvolveu e mantinha o seu sistema de informação e pretendiam proceder a uma reimplementação, usando outra tecnologia. A mudança de tecnologia era a escusa para a reimplementação do sistema de informação. De facto, a tecnologia alternativa que se propunha era muito semelhante, em termos das suas capacidades, com a tecnologia existente.

Após conversamos um pouco, apercebi-me que a empresa de software detinha o conhecimento do negócio do organismo público. A empresa de software tinha um melhor conhecimento do negócio do organismo público que os responsáveis do sistema de informação. Esta situação tinha levado a uma situação de dependência. Os responsáveis tinham a sua capacidade de decisão limitada.

Como se chega a este tipo de situação? Neste caso o desenvolvimento seguiu o modelo outsource. Foi desenvolvido um sistema de informação à medida. Geralmente, sempre que  se desenvolve um sistema de informação geram-se as condições para tornar explícito o conhecimento acerca da organização. Durante o processo de levantamento de requisitos, e mais tarde durante o desenvolvimento, vão-se identificar e tornar explícitas as regras de funcionamento da organização.

Um vez tornado explícito o conhecimento sofre várias transformação na forma como está representado para poder ser executado num computador. A sua representação final está incluída do programa que implementa o sistema de informação. Os engenheiros informáticos que participam neste processo ganham um conhecimento profundo sobre o negócio da organização. 

E é aqui que o problema começa. Numa situação de outsource, a organização recebe o sistema de informação mas não recebe necessariamente o conhecimento. De facto, e um pouco paradoxalmente, até perde conhecimento. A automatização trazida pelo sistema de informação faz com que o conhecimento fique transparente para as pessoas que operam a organização suportada pelo sistema. Ou seja, o conhecimento, que estava implicitamente nas pessoas da organização, é tornado explícito e incorporado no sistema de informação, onde fica de novo implicito. A manutenção do sistema de informação, efectuada pela empresa que o desenvolveu, é de facto a manutenção desse conhecimento.

Nesta situação a dependência torna o organização contratante o elemento fraco da relação contratual. E os custos poderão aumentar.

Existem diversas formas de tentar manter o conhecimento dentro da organização. A mais drástica que tive conhecimento foi uma instituição bancária que resolveu adquirir a empresa de software que desenvolveu alguns dos seus sistemas de informação. Um exemplo de passagem de desenvolvimento outsource para in-house. Mas administração pública não tem essa capacidade. Assim tem que procurar manter o conhecimento internamente através dos seus recursos humanos, mas também aí tem que contar com a competição das empresas de software na contratação desses recursos.

Como resolver este problema, no contexto da administração pública, sem voltar ao desenvolvimento in-house? É necessário que a organização não perca o conhecimento. Mais ainda, deve procurar que ele seja público. Para isso, deve ser externalizado, por exemplo participando em organizações de normalização. Por outro lado, deve procurar motivar o aparecimento de comunidades (virtuais) que estejam interessadas na manutenção desse conhecimento. Poderão ser comunidades de utilizadores interessados em discutir como o serviço pode ser melhorado, ou comunidades de cidadãos interessados em auditar o funcionamento da organização. Também se poderá usar o conhecimento na formação, interna ou externamente. Ou seja, o conhecimento deverá ser aberto um pouco por analogia com o software aberto.

A administração publica deve possuir conhecimento aberto para aumenta a sua capacidade negocial  nos concursos para o desenvolvimento e manutenção dos seus sistemas de informação.

Sem comentários: