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domingo, 8 de maio de 2011

Um macaco chamado Nicollò Machiavelli

No DigArtMedia encontrei uma referência a uma animação de uma apresentação de Evgeny Morozov sobre o impacto político da Internet.


Evgeny Morozov argumenta que também se deve tentar perceber as consequências negativos da internet. Contrapõe este argumento à ideia naive de que a tecnologia web é, por si só, um instrumento de  democracia.

Num primeiro argumento, descreve como a tecnologia web é usada para reprimir. Por exemplo, no Irão a técnica de crowdsourcing é usada para identificar opositores políticos. As fotografias de participantes em manifestações são colocadas na web e as pessoas são convidadas a identificá-los.

Num segundo argumento, ressalta a vertente da internet como instrumento de entretenimento que tem uma dimensão muito superior à vertente de intervenção social.

Concordo que a tecnologia por si só não provoca alterações, é na interligação dos aspectos sociais e tecnológicos que de facto as mudanças acontecem, mas não partilho uma visão pessimista. A perspectiva pessimista de Evgeny Morozov parece-me bastante em sintonia com a visão de George Orwell sobre a manipulação da informação descrita no livro 1984. Com efeito, quando se procura forjar entidades no Facebook para dar credibilidade a notícias, começa-se a estar próximo das técnicas maquiavélicas, descrita por Orwell, em que o governo forja o movimento de oposição para assim identificar aqueles que têm tendências oposicionistas, ainda que estas apenas sejam originadas devido ao movimento inventado pelo governo. Uma ilustração do pecado original tão caro à verdade e ao poder absoluto.

Contudo, deve-se ter uma perspectiva menos imediata sobre os efeitos da tecnologia. É também necessário olhar para outras tecnologias. Existem tecnologias que permitem a disseminação da informação e que já são usadas há mais tempo, como seja a fotografia ou o vídeo. Não é claro que a fotografia e o vídeo tenham reduzido a capacidade de alteração social. Sem dúvida que todos podem usar essas tecnologias. É possível filmar as pessoas de uma manifestação, mas na maior parte dos casos elas pretendem ser filmadas pois querem dar impacto aos seus protestos. Arriscam pagar um preço, mas se assim não fosse também não se manifestariam.

Mesmo a vertente de entretenimento pode ter impacto. As telenovelas na Índia têm alterado a condição da mulher das zonas rurais. As mulheres deixam de tolerar situações que eram ancestralmente imutáveis. A alteração provocada pelas telenovelas não tem a redenção poética do homem de Platão a sair da caverna, mas parece ser eficaz.

Em minha opinião, quando maior for a facilidade de duplicação e transmissão da informação menos capacidade existe de a controlar. Pode-se questionar, mas se observamos o que se tem passado desde que saímos de cima das árvores até aos dias de hoje, o sentido do vector parece ser claro.

domingo, 1 de maio de 2011

O cavaleiro branco do mercado

Quando era garoto havia um anúncio na televisão que me impressionava. Era o cavaleiro branco do Ajax! Impressionava-me pela sua brancura imaculada, cavalo branco, armadura branca e lança resplandecente. Talvez também fosse por causa da televisão ser a preto e branco e o cavaleiro sobressair no meio de todos aqueles cinzentos.

Desde a queda do comunismo, que o meme do mercado se tornou dominante na "pool" de memes (Da democracia e Dos genes). Tornou-se de tal forma dominante que muitas vezes o dito "mas isso é o mercado a funcionar" acaba com qualquer tentativa de argumentação.

Contudo, o mercado para funcionar pressupõe algum equilíbrio nas relações entre os agentes. Da mesma forma que quando uma planta, ou um animal, se torna dominante no seu ecossistema o acaba por destruir, e a prazo destrói-se a si mesma, também as relações de desequilíbrio entre os agentes do mercado podem levar a situações de ruptura, como por exemplo os problemas resultantes de acentuados desequilíbrios sociais.

Infelizmente, a administração pública é um agente fraco na relação de mercado. De facto, esse tem sido o tema de alguns dos posts deste blogue. A administração pública tem dificuldade em concorrer com as empresas privadas para a contratação dos melhores recursos humanos (Virar o problema do avesso), não consegue manter conhecimento acerca dos seus próprios processos (Onde pára o conhecimento), tem dificuldade em auditar a aplicação do dinheiro dos impostos (A cadeia de valor dos impostos), não consegue criar mecanismos de avaliação interna focados em objectivos que sejam percebidos pelas pessoas (Onde começa a avaliação), etc.

Recentemente, tem aumentado o número de defensores de uma solução de mercado para aquilo que tradicionalmente era público. Uma parte significativa da economia Portuguesa está ligada ao dinheiro público, aquele que resulta dos impostos, mas sendo a administração pública um agente fraco da relação de mercado temo que a sua prestação na gestão do dinheiro público não venha a ser muito diferente da actual. Poderá mesmo piorar, pois algumas situações que se venham a criar, especialmente as de desequilíbrio social, serão justificadas com "é o mercado a funcionar".

Mas será mesmo "o mercado a funcionar"? 

Para o mercado funcionar de facto a administração pública tem que ser um agente forte. Mas, como isso não se tem verificado até agora, não é por abrirmos as portas e "deixarmos entrar o mercado" que a administração pública se vai tornar num agente forte. O mercado terá dificuldade em funcionar pois o problema actual com a gestão do dinheiro público não é mais ou menos mercado.

Ou seja, é necessário criar as condições para a administração pública seja forte e defenda os interesses daqueles que pagam os impostos. Quando isso acontecer, pode-se abrir sem medo as portas ao mercado. De facto os outros agentes terão muito a temer desse agente forte, dado o volume de negócio que ele gera.

Mas, para tornar a administração pública mais forte é necessário aproximar os seus stakeholders, aqueles que pagam impostos, dos processos e decisões de gestão, quer como observadores/auditores quer como participantes activos. Os sistemas de informação poderão ter um contributo importante, pois permitem esbater as distâncias geográficas, políticas, de poder, de acesso à informação, de decisão e de comunicação. Contudo, o desafio é saber como isso pode ser conseguido através da conjugação adequada dos aspectos técnicos dos sistemas com as características sociais de quem os usa.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Da democracia e Dos genes

No dia 25 de Abril de 1974 tinha 10 anos. É uma boa idade para observar uma revolução. Já tinha alguma experiência da clandestinidade :-), escondíamos-nos sempre que aparecia a polícia por estarmos a jogar à bola na rua, mas ainda não tinha sido necessário aderir a alguma ideia redutora das outras ideias. Alguns dias após o 25 de Abril presenciei, estupefacto, o professor da 4ª classe dizer que também tinha sido perseguido pela PIDE. Estupefacto, porque não sabia o que era a PIDE, mas, sobretudo, porque falava como um companheiro, bem distante do professor que dava uma reguada por cada erro, acima dos cinco, no ditado. Também ganhei curiosidade por Álvaro Cunhal e Salazar, que nas descrições "fiéis" surgem com uma aura de pureza e determinação, acima do comum dos mortais.

O clássico de Richard Dawkins, O Gene Egoísta, descreve a evolução como a competição entre os genes, onde o organismo/corpo é apenas um mecanismo desenvolvido pelos genes para se manterem e tornarem dominantes na "pool" de genes. No fim do livro, Dawkins tem um capítulo onde conjectura, por analogia, que algo de semelhante se passará com a cultura. Os memes serão os elementos mínimos da cultura, como as ideias, que competem entre si para se manterem na "pool" de memes. Por exemplo, os dissidentes da ex União Soviética, que não professavam a ideia dominante do comunismo, eram frequentemente acusados de sofrerem doenças mentais, o que de imediato excluía as suas ideias da "pool" de memes por serem mal formadas.

A democracia é bastante diferente na Rússia, em Portugal e na Noruega, não obstante as regras básicas serem provavelmente as mesmas. Os genes das regras democráticas são os mesmos mas os memes das pessoas que vivem nesses países são muito diferentes. 

Neste momento de crise em Portugal refere-se que os políticos são maus, geneticamente impuros, e procuram-se outros que não sejam políticos. É necessário retirar estes políticos da "pool" de políticos e colocar lá outros que não o sejam, diz-se. Contudo, os genes dos políticos são iguais aos de todos os outros políticos no mundo, e das pessoas que eles representam. Parece que a diferença está nos memes. 

Os sistemas de informação também têm os seus genes e os seus memes. Para os primeiros temos as suas características próprias, as funcionalidades e não-funcionalidades, normalmente referidas como os requisitos dos sistemas de informação. Mas estas não determinam necessariamente a forma como irão ser usados. De facto, as pessoas apropriam-se dos sistemas de informação e usam-nos de formas para as quais estes não foram desenhados. Esta apropriação é influenciada pelas ideias, memes, que as pessoas têm acerca dos sistemas e de si próprios. Por exemplo, o facto de um sistema de informação ter uma funcionalidade que permite aos cidadãos obter informação que lhes permitirá auditar a actividade dos governantes, não implica que ela seja efectivamente usada, pois os cidadãos podem achar que "não vale a pena", "não serve de nada", ou até mesmo questionarem a fiabilidade dessa informação. 

Assim, os sistemas de informação para a cidadania virtual, onde existem funcionalidades para uma participação mais directa dos cidadãos na democracia, não asseguram por si só que as pessoas os usem para conseguir uma melhor democracia, da mesma forma que o funcionamento da democracia difere conforme as culturas. É necessário garantir que os cidadãos se apropriem dos sistemas da forma adequada. Para isso as funcionalidades devem permitir dar o retorno esperado aos cidadãos. Deve haver um constante reforço do valor da participação, e da vantagem de participar, e assim contribuir para o aumento da cultura democrática. 

sábado, 2 de abril de 2011

Onde começa a avaliação

A avaliação dos professores do ensino básico e secundário tem sido prolongadamente discutida. São inúmeros os parâmetros de avaliação, desde o progresso escolar dos alunos, até à assiduidade dos docentes e à organização de actividades extracurriculares.

Não obstante longamente discutida, a questão continua em aberto e prevê-se que venha a ser de novo discutida. Contudo, creio que existe um outra questão que tem que ser respondida primeiro. E é relativa aos alunos.

Como avaliar o percurso escolar dos alunos de uma forma imparcial e levando em consideração as especificidades sociais e económicas de cada aluno?

Para se responder a esta questão é necessário desenhar um sistema de informação que armazene os resultados escolares de cada aluno. Contudo isso não é suficiente. A progressão escolar do aluno deve ser ponderada pelo seu contexto social e económico.

É necessário escolher quais os aspectos sociais e económicos a considerar e os pesos para ponderar cada um deles. E eles poderão inclusivamente variar ao longo do tempo. Essa variação pode ocorrer por duas razões. Quer porque os tipos de condição social e económica dos alunos se alteram, ou porque os dados que vão sendo acumulados no sistema de informação permitem novas perspectivas sobre as realidades sociais e económicas dos alunos.

Esta é um dos exemplos de metamorfose entre a tecnologia e as organizações. Por um lado, os indicadores para os aspectos sociais e económicos são definidos em função da nossa percepção da realidade social e económica, mas, por outro lado, a existência do sistema vai permitir que tenhamos novas percepções sobre a realidade social e económica. Adicionalmente, a existência de um sistema de informação como este irá provocar alterações nos comportamentos dos stakeholders, o que obrigará à evolução do próprio sistema. 

Um exemplo de como um sistema de incentivos, o qual pressupõe uma avaliação, influencia o comportamento dos stakeholders vem descrito no livro Freakonomics. Em Freakonomics os stakeholders que respondem aos incentivos são professores, mas, não é estranhar que, se por exemplo, os resultados dos exames nacionais for primeira página sensacionalista dos jornais, e não obstante a educação ser uma corrida de fundo, os responsáveis pela gestão da educação tenham os incentivos errados.

Ou seja, não basta ter um sistema de informação é também necessário criar o contexto organizacional em que ele funcione de acordo com os objectivos para que foi desenhado. Neste caso da avaliação dos alunos, é necessário que a avaliação do percurso dos alunos seja imparcial. Para isso os alunos devem ser submetidos a avaliações uniformes e o processo deve ser auditado pelos cidadãos. O sistema de informação poderá ajudar na auditoria. De facto, foi por análise de um grande conjunto de dados que os autores de Freakonomics obtiveram as suas conclusões. Os cidadãos devem poder ter acesso aos dados do sistema de informação, uma vez que estes sejam limpos de informação pessoal. Assim, haverá um importante factor de regulação do sistema. Como os grupos de cidadãos se poderão organizar está relacionado com os aspectos da cidadania virtual e das comunidades virtuais que já referi em posts anteriores.

Concluindo, ao avaliar o percurso dos alunos estamos a criar as condições para avaliar todos os stakeholders do sistema. Relativamente aos professores, será inclusivamente possível criar incentivos para premiar os professores que conseguem bons resultados com os alunos social e economicamente mais desfavorecidos.

Mas também é possível avaliar os gestores da educação, e dada a existência de dados mais objectivos os incentivos serão para se concentrarem na eficácia e eficiência. Claro que os resultados serão menos espectaculares, não haverá significativas mudanças do sucesso escolar de um ano para o outro. Mas uma vez que isso seja percebido pelas pessoas, os incentivos para os gestores da educação serão reforçados no sentido certo.

A informação disponibilizada pelo sistema de informação estará mais próxima da realidade e será um bom indicador para apoio à decisão. Ela permitirá indicar como vai ser a nossa competitividade daqui a 20 anos relativamente aos restantes países europeus, claro que para isso é necessário ter programas e avaliações uniformes a nível europeu para as algumas disciplinas. Também indicará se as zonas socialmente mais desfavorecidas se encontram em evolução para uma sociedade mais equilibrada ou em direcção à criação, ou manutenção, de uma zona de exclusão social.

E acima de tudo, os cidadãos terão acesso a esta informação e podem ter uma influência mais directa sobre as políticas educativas e sociais, a sua eficácia e eficiência, nas quais é aplicado o dinheiro dos seus impostos.

terça-feira, 29 de março de 2011

Onde pára o conhecimento

Há algum tempo atrás fui contactado pelos responsáveis do sistema de informação de um organismo público. Não estavam satisfeitos com a empresa de software que desenvolveu e mantinha o seu sistema de informação e pretendiam proceder a uma reimplementação, usando outra tecnologia. A mudança de tecnologia era a escusa para a reimplementação do sistema de informação. De facto, a tecnologia alternativa que se propunha era muito semelhante, em termos das suas capacidades, com a tecnologia existente.

Após conversamos um pouco, apercebi-me que a empresa de software detinha o conhecimento do negócio do organismo público. A empresa de software tinha um melhor conhecimento do negócio do organismo público que os responsáveis do sistema de informação. Esta situação tinha levado a uma situação de dependência. Os responsáveis tinham a sua capacidade de decisão limitada.

Como se chega a este tipo de situação? Neste caso o desenvolvimento seguiu o modelo outsource. Foi desenvolvido um sistema de informação à medida. Geralmente, sempre que  se desenvolve um sistema de informação geram-se as condições para tornar explícito o conhecimento acerca da organização. Durante o processo de levantamento de requisitos, e mais tarde durante o desenvolvimento, vão-se identificar e tornar explícitas as regras de funcionamento da organização.

Um vez tornado explícito o conhecimento sofre várias transformação na forma como está representado para poder ser executado num computador. A sua representação final está incluída do programa que implementa o sistema de informação. Os engenheiros informáticos que participam neste processo ganham um conhecimento profundo sobre o negócio da organização. 

E é aqui que o problema começa. Numa situação de outsource, a organização recebe o sistema de informação mas não recebe necessariamente o conhecimento. De facto, e um pouco paradoxalmente, até perde conhecimento. A automatização trazida pelo sistema de informação faz com que o conhecimento fique transparente para as pessoas que operam a organização suportada pelo sistema. Ou seja, o conhecimento, que estava implicitamente nas pessoas da organização, é tornado explícito e incorporado no sistema de informação, onde fica de novo implicito. A manutenção do sistema de informação, efectuada pela empresa que o desenvolveu, é de facto a manutenção desse conhecimento.

Nesta situação a dependência torna o organização contratante o elemento fraco da relação contratual. E os custos poderão aumentar.

Existem diversas formas de tentar manter o conhecimento dentro da organização. A mais drástica que tive conhecimento foi uma instituição bancária que resolveu adquirir a empresa de software que desenvolveu alguns dos seus sistemas de informação. Um exemplo de passagem de desenvolvimento outsource para in-house. Mas administração pública não tem essa capacidade. Assim tem que procurar manter o conhecimento internamente através dos seus recursos humanos, mas também aí tem que contar com a competição das empresas de software na contratação desses recursos.

Como resolver este problema, no contexto da administração pública, sem voltar ao desenvolvimento in-house? É necessário que a organização não perca o conhecimento. Mais ainda, deve procurar que ele seja público. Para isso, deve ser externalizado, por exemplo participando em organizações de normalização. Por outro lado, deve procurar motivar o aparecimento de comunidades (virtuais) que estejam interessadas na manutenção desse conhecimento. Poderão ser comunidades de utilizadores interessados em discutir como o serviço pode ser melhorado, ou comunidades de cidadãos interessados em auditar o funcionamento da organização. Também se poderá usar o conhecimento na formação, interna ou externamente. Ou seja, o conhecimento deverá ser aberto um pouco por analogia com o software aberto.

A administração publica deve possuir conhecimento aberto para aumenta a sua capacidade negocial  nos concursos para o desenvolvimento e manutenção dos seus sistemas de informação.

sábado, 19 de março de 2011

A cadeia de valor dos impostos

No livro Colapso: Ascensão e queda das sociedades humanas, Jared Diamond discute como as pessoas podem influenciar as atitudes ambientais das empresas que exploram os recursos naturais do planeta. Para isso, compara o sector petrolífero com o sector mineiro. É de algum modo surpreendente que os impactos ambientais do sector mineiro sejam bastante superiores aos do sector petrolífero, mas as preocupações ambientais do primeiro, por exemplo nos gasto com segurança, são muito inferiores às do segundo. Diamond aponta várias razões, como seja as superiores margens de lucro das empresas petrolíferas, mas aquela que vou abordar é o impacto que as pessoas podem ter nas decisões das empresas sobre questões ambientais.

Uma diferença entre o sector mineiro e o sector petrolífero está na capacidade das pessoas identificarem a cadeia de valor das empresas petrolíferas. A informação sobre um derrame de crude da responsabilidade de uma empresa petrolífera pode influenciar a nossa decisão acerca de abastecermos o nosso automóvel numa estação de combustível dessa empresa. Ou seja, as pessoas possuem algum conhecimento sobre a cadeia de valor da empresa pelo que podem decidir se participam nela como clientes.

Por outro lado, quando adquirimos um automóvel não sabemos de que mina, e empresa mineira, é proveniente o cobre utilizado no fabrico do automóvel. A cadeia de valor de produção do cobre não possui uma identidade que permita a sua identificação pelos clientes finais. A produção de cobre desvanece-se nas cadeias de valor dos produtos em que é utilizado. Desta forma, a pressão sobre as companhias mineiras para terem preocupações ambientais é menor.

Um outro caso em que as cadeias de valor perdem a sua identidade é a do chocolate. Crianças trabalham nas explorações agrícolas de cacau, algumas das quais numa situação de quase escravatura. O problema é idêntico ao do sector mineiro. Quando estou a comer um delicioso chocolate negro não tenho forma de saber em que condições foi produzido o cacau usado no seu fabrico.

No caso do cacau existem iniciativas de certificação do cacau produzido sem a utilização de trabalho escravo, mas há notícias de armazéns certificados receberem a produção de explorações agrícolas não certificadas. Como será possível tornar os processos de certificação mais credíveis e auditáveis pelos consumidores finais?

Um problema semelhante passa-se na cadeia de valor dos impostos. Neste caso as pessoas estão em ambas as pontas da cadeia de valor, como contribuintes e como cidadãos. Mas também aqui lhes é difícil perceber como cidadãos se as suas contribuições foram devidamente aplicadas. Nos últimos anos, os sistemas de informação têm-se mostrado eficazes em garantir que todos os cidadãos contribuem. Mas também deveriam permitir a sua participação na certificação de todo o processo de aplicação das suas contribuições.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Das comunidades virtuais

Participei num painel da semana de informática do IST (SINFO) sobre Sistemas de Informação na Administração Pública. Dos vários assuntos que foram discutidos, um é particularmente importante para a pergunta sobre como é que os sistemas de informação podem aumentar a capacidade de intervenção dos cidadãos no desenho, implementação e auditoria dos projectos públicos: as comunidades virtuais.

O tema das comunidades virtuais, ou comunidades de prática, foi referido, pelo participante da AMA no panel, numa vertente de redução de custos. Alguns casos referidos foram o Wikipedia e o Directionleesgov em que grupos de cidadãos de forma (des)interessada participaram em projectos que se revelaram tanto ou mais eficazes que projectos semelhantes mais pré-estruturados e desenvolvidos com (muito) mais recursos financeiros, respectivamente a Encyclopeadia Britannica e Directgov. Para além da redução de custos que as comunidades virtuais podem trazer, devido a uma distribuição voluntária do trabalho originada pelas mais variadas razões, um outro é o caso do Google Image Labeler, as comunidades virtuais são a base de uma nova forma de participação das pessoas que é possibilitada pela tecnologia.

O sucesso das comunidades virtuais depende da mistura acertada de aspectos tecnológicos e sociais. Por exemplo, as comunidades virtuais do Facebook, do YouTube e do Wikipedia têm características diferentes. No Facebook a identidade dos membros da comunidade é credível, ainda que possam ser forjadas identidades. Isso é possibilitado pelo conjunto de funcionalidades do Facebook que levam a que sejam associadas fotografias às pessoas, não apenas pelos próprios mas também por outros. Adicionalmente, a principal forma de criação dos grupos sociais é através do conceito de amigo, ainda que no contexto Facebook o conceito de amigo tenha ganho um significado próprio, um exemplo das metamorfoses resultantes das interacções entre a tecnologia e as pessoas. Por outro lado, no YouTube as identidades estão mais próximas do avatar, em que a metamorfose possibilitada pela tecnologia é explicitamente assumida e explorada. Já no Wikipedia a identidade não é explícita no conteúdo, o conteúdo é de facto uma construção social onde se diluem as identidades que o criaram, mas fica registada (não obstante serem permitidas participações anónimas) no processo de criação. Este registo é importante para a formação dos grupos sociais do Wikipedia que são baseados no mérito da contribuição social reconhecido pelos pares.

Em suma, diferentes comunidades têm diferentes características as quais são possibilitadas por diferentes funcionalidades da tecnologia e os objectivos das pessoas que usam a tecnologia. O Facebook é uma comunidade onde se socializa, no YouTube a comunidade é quase secundária e funciona para a difusão de emoções após a visualização de um video (audição de uma música), enquanto que no Wikipedia é uma sociedade de artífices movidos por uma ideia de bem comum.

O Orçamento Participativo da Câmara Municipal de Lisboa é uma iniciativa que promove a intervenção dos cidadãos no desenho e decisão sobre projectos municipais. A iniciativa vai no caminho certo de retirar os cidadãos da ponta das cadeias de valor onde são aplicados os seus impostos. Neste caso, os cidadãos podem participar no desenho, através da apresentação de propostas, e na atribuição de recursos, através do voto em propostas.

Contudo, este exemplo mostra que não é fácil desenvolver estes projectos e que é necessário aprender com a experiência e ir afinando a relação entre a tecnologia e as pessoas. Por exemplo, a minha participação foi inicialmente motivada pelo sms de um amigo que me incentivava ao voto num projecto que tinha ajudado a conceber. Ulteriormente recebi um email de uma outra pessoa a promover o seu projecto. Uma vez feito o acesso no sítio pude ver alguma informação sobre os projectos e votar. Senti falta da comunidade virtual. Tomei conhecimento do projecto no contexto de comunidades externas ao contexto do projecto, o município de Lisboa, e uma fez que acedi ao sistema de informação não fui cativado a aderir a uma comunidade virtual e a interagir com ela, mas apenas a votar.

Não é fácil desenvolver estes projectos, se o fosse a Google já teria transformado a comunidade YouTube numa concorrente séria da comunidade Facebook. É necessário caracterizar a comunidade que se pretende ter, quais os seus objectivos e como é que tudo poderá ser possibilitado por um conjunto de funcionalidades da tecnologia, as quais terão que ser afinadas de acordo com a caracterização da comunidade pretendida.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Do público e Do privado

Há algum tempo fiz uma apresentação, numa sessão organizada pela ComputerWorld dedicada à engenharia de software, em que descrevi um caso de desenvolvimento e instalação de um sistema de informação para a administração pública.  Como muito frequentemente acontece, o projecto teve um atraso de 18 meses e o custo foi 3 vezes superior ao inicialmente orçamentado. Para além disso, quando entrou em funcionamento, originou um conjunto de situações que ficaram fora de controlo, onde aspectos sociais e tecnológicos se entrelaçaram e se tornou difícil destrinçar as causas dos efeitos.

Em traços gerais, após um custo de valor equivalente a cerca de 18 milhões de euros, o sistema foi para produção tendo como resultado que um elevado número de funcionários tiveram problemas com o pagamento dos seus vencimentos. O que se seguiu foi o envolvimento de técnicos e políticos, governo e oposição, sindicatos e media. O caso foi primeira página dos jornais, notícia nas televisões e tornou-se alvo das conversas de rua. O projecto era o primeiro, e era visto como o demonstrador, de uma nova estratégia para os sistemas de informação da administração pública, a de ter serviços partilhados.

Após a minha apresentação, perguntaram-me se os resultados teriam sido os mesmo caso o projecto tivesse ocorrido numa empresa privada. A pergunta tem uma resposta "óbvia": os resultados não teriam sido os mesmos. O projecto teria sido cancelado mais cedo, teria sido mais fácil apurar as responsabilidades, etc, etc, etc. Contudo, a resposta "óbvia" peca por dar uma visão redutora do problema, uma vez que não é trivial "privatizar o público".

Senão vejamos. O que distingue um projecto privado de um projecto público é o conjunto de stakeholders envolvidos. Em particular, um projecto público é financiado com o dinheiro dos contribuintes, o que os torna em intervenientes interessados nos resultados do desenvolvimento do sistema, em tudo semelhante ao interesse dos accionistas da empresa privada no resultado dos projectos da empresa. Contudo, existem diferenças na forma como eles, os accionistas e os contribuintes, podem intervir.

A intervenção dos contribuintes nos projectos públicos é mais indirecta que a intervenção dos accionistas nos projectos privados. Quando votam não estão a avaliar o sucesso ou insucesso de um particular projecto, ou de um conjunto de projectos, em última instância o lucro da empresa, mas sim um vasto conjunto de resultados económicos e sociais. Por outro lado, os contribuintes não podem vender as suas participações no capital público.

A solução de transformar os projectos públicos em privados, latente na pergunta, é falaciosa pois pressupõe que é possível criar projectos do interesse público em que os contribuintes não são stakeholders.

Ou seja, não é possível "privatizar o público".

É claro que este problema não se aplica apenas a projectos de desenvolvimento de sistemas de informação. Mas tem uma especial incidência no desenvolvimento de sistemas de informação pois nestes as fases de desenho, implementação e manutenção intercalam-se, dificultando a gestão e controlo do projecto. Assim, uma questão importante, que tem que ser levantada, é como desenvolver sistemas de informação onde existe financiamento público, de uma forma eficaz, e tirando partido da própria orgânica dos stakeholders envolvidos, em vez de os negar. Por outro lado, e relacionado com a questão anterior, é importante perceber como é que as tecnologias de informação podem ajudar os stakeholders localizados na ponta de uma longa cadeia de valor onde são aplicadas as suas contribuições, a ser mais intervenientes no desenho, implementação e auditoria dos projectos públicos.

É necessário fazer estas perguntas para encontrar respostas que vão ao cerne do problema.