domingo, 2 de outubro de 2011

Social Mirror - Some Challenges

In a previous post I stated that the SocialMirror should be a software application that allow people to steer their own public image, and ensure some fairness among all concerned. Now, it is necessary to detail the application goals and features. To keep focus on the relevant issues, I start to identify the challenges SocialMirror has to face, and to do so I'll follow different strategies.

In this post I analyse some software applications and games where the concept of social mirror is built-in. By identifying similarities and differences between them and SocialMirror, I aim to raise some questions which will help me in the design of the solution. On the other hand, these questions will help me stick to what is important.

I have chosen one software applications and two games, actually, one of the games is also a software application.

Facebook is the largest social network in the world. It is mainly used for socialising, though the number of satellite applications which intend to take advantage of the large users base is increasing. By and large, Facebook allows people to interact in a number of ways, but socialisation around content has become viral. Contents, such as pictures, videos, and news, trigger endless interactions, eventually stopped by fresh contents that drag people to another context. However, because socialisation is a confirmation process, are you there?, do you still feel the same?, are you the same?, people move but they keep on socialising. The relation to social mirrors is obvious. In the tender mirrors post I exploit a found-art technique, I anonymised a thread where teenagers where commenting a picture and I did some random reshuffling as well, to illustrate how in Facebook self-awareness comes out from among others mirrors. Therefore, SocialMirror should also take advantage of contents to trigger interaction, but it should avoid that people easily converge for the sake of its fairness quality.

Truth or Dare is a game where the players have to choose between answering to a question or performing a task, both usually embarrassing. Similarly to the Facebook case, by answering others questions or performing tasks they propose, a public image is being built. However, contrarily to Facebook, in the Truth and Dare game is not so easy to converge because, due to the game rules, tasks and questions should be embarrassing. SocialMirror may follow some the the Truth and Dare rules to achieve some fairness, though it is not clear how to bring players to the game if they are not willing to.

FearNot! is a very interesting application that uses role-playing to create emotional self-awareness on bullying situations. It provides the player with a set of scenarios where he advices a victime of bullying. By doing so, the player becomes affectively engaged and create the right behaviour that will help him as either a victime or a bully. FearNot! addresses the Truth and Dare open question, how can we engage people in SocialMirror? In this case, people are engaged in the game by accepting to do a good deed. However, the context is pre-defined and form a closed world. For instance, FearNot! ignores that the bullies are also interacting to create their own public image, and very often the victime works as a catalyst. SocialMirror should have a wider scope,  it should support an open world closer to Facebook.

domingo, 25 de setembro de 2011

Social Mirror - The Context

According to the social mirror theory, people's self-awareness depends on how they see themselves through others's eyes: "we cannot have mirrors in the mind unless there are mirrors in society". Therefore, self-awareness is a social construction where everyone is committed.

The article, although short, is not easy to read. Nevertheless, I would suggest you to give it a try. It is inline with some of the ideas on social construction I have been discussing on both this blob and curtas. I am particularly fond of the role-play mechanism in the mirrors construction. The author goes a little bit further and argue that it is role-playing which distinguishes humans from other animals. However, this aspect is not relevant for what I have in mind.

Why am I bringing up this issue on social mirrors to a blog on technology and people?

I have been thinking for a while on how can technology be used to enhance the human condition. Of course, technology has already done a lot in both economical and social terms; evolution of human societies cannot be dissociated from technology. However, there is place for improvement, in particular in a world where people is overwhelmed by information that they cannot master. In this world it is becoming increasingly difficult to get answers for some question. How are my taxes being used? How can I take control of my information on the internet? And so on and so forth.

While I was thinking on a name for a software application that would allow people to steer their own public image, and ensure some fairness among all concerned, the name SocialMirror came up.

Then I googled for "social mirror" to know whether the name was already taken by another application. Curiously, and in life very often meaning comes after action, I found the social mirror theory.

I envisage an endless game of mirrors where awareness is being continuously reshaped. Mirrors reflect each other and each one adds a bias (see post on a young girl). This bias occurs due to some some new element, either a new external (real) fact or new social construction.

In another post I will address the challenges for the design of a SocialMirror software application.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O software como uma construção social

Por vezes, ao preparar as aulas, volta-se a reler os mesmos artigos, e há frases, ou palavras, que sempre lá estiveram e parece que não tínhamos reparado. No artigo Who Needs an Architect?, Martin Fowler, diz que a arquitectura de software, assim como o software é um social construct. Quando desta vez voltei a ler o artigo fiquei com curiosidade de ver com detalhe qual a definição de construção social.


Ignorando o aspecto de negar a essência do produto, que algumas teorias sócio-técnicas mais recentes levam em consideração, o que é ressalta desta definição é que de facto o desenvolvimento de software não é, nem nunca poderá ser, rocket science.

Assim, Martin Fowler termina o artigo dizendo que: "Software is not limited by physics, like buildings are. It is limited by imagination, by design, by organization. In short, it is limited by properties of people, not by properties of the world. “We have met the enemy, and he is us.”"

Com base nesta frase pergunto aos alunos se não será o frustrante fazer engenharia de software? Ao que um aluno me diz que não, antes pelo contrário, esta é uma oportunidade para se poder ser mais criativo.

sábado, 23 de julho de 2011

Agora que vou viajar...

Consulto a pasta de correio electrónico onde fui juntando toda a correspondência relativa à preparação da viagem. Já algum tempo que deixei de usar as pastas do sistema operativo para guardar a informação relacionada com a colaboração com outras pessoas. A quase totalidade da informação que recebo chega através de correio electrónico. Inclusivamente, por vezes, vejo-me na necessidade de enviar mensagens a mim próprio para juntar numa pasta de correio electrónico onde se encontra informação relacionada. 

Ainda assim, esta solução não é completamente do meu agrado. Levo algum tempo a encontrar a informação. Em particular, no contexto desta viagem, sempre que acedo à pasta  tenho um período inicial em quem vou percorrendo a informação e, mentalmente, a vou agrupando de acordo com o meu interesse do momento, seja a reserva de hotéis ou a distribuição da informação de acordo com o calendário da viagem. Por outro lado, começo a ter várias versões da mesma informação é necessário perceber qual é a que me interessa neste caso, não necessariamente a mais recente.

Muita da informação sobre a viagem resulta da utilização de serviços externos, como sejam serviços de reserva de hotel, avião e automóvel. Estes serviços enviam-me mensagens com os vouchers. Ou seja, alguma da informação que possuo na minha pasta de correio electrónico é apenas uma duplicação, não actualizada, da informação real. Por exemplo, se desejar saber se a viagem de avião alterada devo procurar na minha pasta a referência para o sítio onde o serviço está disponibilizado.

Idealmente, gostaria de poder ter a integrada a informação sobre a viagem com as trocas de mensagens de correio electrónico que efectuei para a preparar. Infelizmente, agora tenho de decidir por duas opções, ou conservo a informação dentro das mensagens ou a desagrego das mensagens. Ambas as soluções não me agradam, embora tenha pendido mais para a primeira.

Há cerca de 2 anos a Google lançou uma ferramenta revolucionária chamada Google Wave. Esta ferramenta permite que várias pessoas colaborem através da troca de mensagens e que simultaneamente vão sintetizando e agregando a informação que vai sendo trocada nas mensagens. Era objectivo da Google alterar o paradigma de comunicação actual, baseada no correio electrónico, por um paradigma de maior partilha e construção colaborativa de conteúdos. Esta proposta acabou por não vingar e acabou por ser abandonada pela Google. 

O Google Wave tem as potencialidades desejadas. Contudo sinto a necessidade de poder ter entidades estruturadas. Tal como o correio electrónico, o Google Wave apenas considera conteúdos feitos de texto e blobs (imagens, videos, etc). Na preparação da viagem gostaria de poder criar um entidade reserva de hotel para cada reserva. Também gostaria de poder enviar um pedido de informação sobre um local que desejo visitar já com um formato pré-estabelecido, de forma a que a resposta criasse uma entidade informação de local que eu poderia depois complementar com a indicação do hotel onde iria ficar e a referência para as coordenadas no Google Maps. A utilização de entidades estruturadas, ligadas a um contexto de comunicação, permitiria usar ferramentas de pesquisa e a ligação a serviços externos. Por exemplo, a entidade reserva de avião, ligada ao serviço externo de reserva de voo, iria sendo actualizada com o estado do voo.

sábado, 9 de julho de 2011

Razão e Coração

Começam a ser publicadas comparações entre o Google+ e o Facebook, e o como o Google+ poderá contrariar o crescimento do Facebook. Nas razões para usar o Google+ é dado ênfase à facilidade de utilização e a uma melhor gestão da privacidade da informação.

O Facebook, que nasceu como uma aplicação para conhecer miúdas, atinge agora os 750.000.000 de utilizadores. De algum modo, ainda não perdeu essas feições do coração.

Qual é a estratégia da Google para construir a sua rede social e substituir a do Facebook?

Duas estratégias são possíveis: tomar de assalto a rede Facebook, fazendo que as pessoas a abandonem e passarem a usar a rede Google+, ou criar um novo tipo de rede, que inicialmente atraia pessoas que não são utilizadoras usuais do Facebook, e que incrementalmente vá conquistando utilizadores ao Facebook.

A primeira estratégia, ilustrada neste cartoon, é equivalente a convencer 750 milhões de clientes de uma discoteca famosa e se mudarem em bloco para a discoteca ao lado. Dado que a discoteca está vazia, pode-se sugerir que lá se defende mais a privacidade das pessoas, mas é um argumento fraco, até porque vão todas à mesma discoteca para se poderem ver e comentar.

A segunda estratégia estará mais em sintonia com a forma como se cria inovação, segundo The Innovator's Dilemma. Por exemplo, a maior garantia de privacidade deverá permitir o surgimento de uma comunidade que não se reveja na rede Facebook. Esta comunidade ganhará identidade autónoma e tornat-se-à atraente aos olhos dos utilizadores Facebook que paulatinamente mudarão de comunidade.

O Google, dada a sua dimensão e capacidade tecnológica, parece estar a tentar a primeira estratégia, usar a força da razão para tomar de assalto a comunidade Facebook. No entanto, pode acontecer que algum embrião de comunidade se sinta atraído pelas possibilidades das novas funcionalidades do Google+, e as coisas aconteçam de outra forma.

sábado, 2 de julho de 2011

No man is an island

Investigação realizada com as moscas da fruta parece indicar que uma mosca que perdeu diversas disputas tem tendência a perder as disputas seguintes, ainda que com oponentes mais fracos. 

A Google acabou de lançar o Google+, uma tecnologia de suporte a redes sociais, para competir com o Facebook.

Segundo algumas opiniões o que está em disputa é a identidade.

Durante algum tempo olhou-se para a identidade digital na perspectiva da identificação. Como identificar de forma única os utilizadores da web? Como simplificar o processo de autenticação, fazendo que apenas seja necessária uma senha de entrada, para aceder a um vasto conjunto de serviços electrónicos? Um exemplo é o Windows Life ID.

A identificação digital única tem algumas vantagens. Mormente ao utilizador final, que não tem que gerir diversas identificações e senhas de entrada, mas também às empresas que concorrem para gerir as identificações, através de um complexo processo de fidelização de clientes e, consequentemente, de fornecedores de serviços, como a VISA ou a MasterCard.

Mas o modelo de negócio da Google foi alargar a identidade para além da identificação. O modelo de informação que a Google possui para cada utilizador da web é uma identidade gerada com as acções que cada um efectua quando usa o seu software. Esta identidade permite uma maior eficácia e precisão na identificação de quais os produtos que nos interessam. É essa eficácia que a Google vende às empresas que a contratam para difundir publicidade.

Também para o Facebook a identidade é feita da informação que possui acerca de cada um de nós, mas, contrariamente à Google, essa informação é explicitamente agregada pelos utilizadores. Quando se decide que fotografias se coloca no mural e que amigos se aceita estamos a definir explicitamente a nossa identidade.

Daqui resultaram dois modelos muito diferentes. No primeiro caso deixamos que a Google nos indique que informação nos interessa, no segundo caso "perguntamos" aos nossos amigos.

De forma um pouco inesperada, como referi em A Face de todas as Faces, actualmente as páginas web são mais acedidas a partir de páginas do Facebook do que de pesquisas no motor do Google. E isso, naturalmente, preocupa a Google. Daí a necessidade de passar de um modelo de identidade gerada para um modelo, ala Facebook, em que o utilizador constrói a sua identidade. Ou seja, a estratégia de oferecer um conjunto aparentemente "desgarrado" de aplicações, aparentemente, pois a informação sobre o seu uso é constantemente agregada em segundo plano para gerar a identidade, não funciona dado que não permite ao utilizador agregar a sua informação.

O Google+ integra numa interface única a possibilidade de agregarmos a nossa informação, construirmos a nossa identidade. Está anunciado como um processo em que incrementalmente novas aplicações Google serão integradas nesta interface única. A Google dá a informação que possui acerca de nós para dizermos quem somos.

domingo, 26 de junho de 2011

Das Reputações

No final da guerra Irão-Iraque, Saddam Hussein usou gás contra a sua própria população, este episódio é conhecido como o massacre de Halabja. Deste massacre foram recolhidas imagens das pessoas gaseadas em ruas desertas, tendo estas imagens sido difundidas pelos meios de comunicação social. Contudo, apenas dois anos mais tarde estas imagens ganharam maior impacto quando, após a invasão do Kuwait, elas foram re-difundidas e referenciadas no contexto de um outro discurso.

A reputação é um elemento essencial das interacções humanas. Funciona como a base sobre a qual acontecem as interacções. Com a globalização e virtualização das interacções também os mecanismos de criação e manutenção de reputação tiveram necessidade de se globalizar e virtualizar.

A reputação de uma pessoa, ou instituição, está directamente ligada à informação que possuímos acerca dessa entidade. Adicionalmente, juntamos uma valoração própria, construída a partir da interpretação que fazemos dessa informação e usando os nossos princípios.

É (era) assim, nas pequenas comunidades rurais, onde toda a gente se conhece e onde as alcunhas representam uma cristalização da valoração. Esta cristalização acaba por ser partilhada por todos, à medida que a alcunha vai sendo adoptada. A alcunha, uma valoração acerca da informação, transforma-se em informação, podendo ser sujeita às mesmas transformações que são efectuadas sobre a informação.

Também nas comunidades virtuais os mecanismos de reputação são essenciais. Neste artigo refere-se a importância dos mecanismos de reputação para as comunidades virtuais onde há transacções comerciais. No entanto, os mecanismos de reputação também têm impacto em outros aspectos das comunidades virtuais. Por exemplo, na Amazon a reputação de quem escreve revisões ajuda a formar opinião sobre as obras. Os top reviewers funcionam como alcunhas de quem faz revisões. Um top reviewer é aquele cujas revisões mais pessoas acharam úteis.

Mas a reputação não se aplica apenas a pessoas, também as páginas web têm associado um mecanismo de reputação. Por exemplo, a ordem pela qual são apresentados os resultados de uma pesquisa utilizando o motor de pesquisa da Google depende da reputação da página, page rank. Neste caso, a reputação de uma página é dada não apenas pelo número de páginas que a referenciam, mas também pela reputação das páginas que a referenciam. Uma página pode não ser referenciada por muitas páginas e ter uma reputação elevada, desde que seja referenciada por páginas com reputação alta.

É interessante observar que estes algoritmos pretendem simular um funcionamento semelhante ao funcionamento dos mecanismos de reputação em contextos não digitais. E tal como no contexto não digital, a reputação digital pode ser (é) alvo de tentativas de manipulação, pelo qual vão sendo propostos novos algoritmos que procuram colmatar as falhas encontradas.

domingo, 19 de junho de 2011

Dr. Strangesoftware

Stanley Kubrick, no filme Dr. Strangelove, constrói uma situação em que os homens ingloriamente lutam contra os procedimentos que criaram. Estes procedimentos, uma vez activados, iniciam uma processo que se revela impossível de parar, levando à destruição da vida no planeta terra. Esta história, é uma versão soft do tema que foi recorrente na ficção científica sobre a tentativa da máquina controlar o seu criador, o homem. Nestas histórias ilustra-se a luta entre a lógica e o humano.

Numa história real, Barbara Tuchman descreve num livro sobre o primeiro mês da Grande Guerra, The Guns of August, como o Kaiser, poucas horas depois de ter ordenado o início das operações contra a França, resolve, após receber um telegrama do seu embaixador em Londres, alterar a sua decisão e invadir a Rússia. A invasão da França tinha sido logicamente preparada para ocorrer em 6 semanas, o que implicava um minucioso plano de deslocação de cerca de 1.000.000 de homens, usando os caminhos de ferro. Quando o Kaiser comunica a sua decisão ao seu chefe do estado maior, a resposta que recebe foi, escreve Tuchman: 

"Your Majesty, it cannot be done. The deployment of millions cannot be improvised. If Your Majesty insists on leading the whole army to the East it will not be an army ready for battle but a disorganized mob...". 

O Kaiser não teve poder para parar a máquina que tinha colocado em marcha.

Também no software há este paradoxo entre a coisa criada e o criador, entre a lógica e o humano.

Num artigo recente na ACM Software Engineering Notes, Robert Schaefer descreve magistralmente este paradoxo:

"I’ve also been thinking a lot lately about the kinship that software developers and managers have in regards to the parable of the blind men and the elephant. Software, as an object stripped away from culture, can be reduced to mathematics, a culturally valueless set of rules of manipulation of symbols. Software also is the formalization of ideas into logic. Coding is nothing more than thinking clearly and logically in the process of symbol manipulation. If so, then what is the big deal? Why can’t just anyone write programs and logic be damned? Logic has one set of rules and culture another. Logic must, but cannot be, separated from cultural values (another paradox). The attempt to map cultural values onto logic, while denying that we are doing it as we do it, is where trouble begins. Now the blind men weren’t able to see the elephant all at once, they could only guess at parts through touch, and emphasize the attributes, assume the whole of a part. We though, as designers and programmers can see the whole elephant, but are not much better off. Which more or less ruins the elephant analogy. Unless the elephant we see is not the elephant that is. Then the elephant analogy works again. We model the elephant in our minds, but the elephant that is, is something different. It looks like an elephant, but behaves like something else. In this instance, it looks like logic but behaves like culture."

Há, no entanto, uma diferença fundamental relativamente às máquinas e procedimentos que têm por base uma visão científica enraizada em princípios desenvolvidos ainda no século XIX: no software a coisa criada não é externa ao criador, não existe para além dele.

Dessa propriedade do objecto de software, que é a sua apropriação pelas pessoas, para além da lógica, falo em alguns dos posts. Por exemplo Da desordem à ordem natural das coisas é sobre a necessidade de tornar a codificação da cultura mais integrada com a codificação da lógica.

domingo, 12 de junho de 2011

Onde começa a produtividade

Depois da inovação vem a produtividade. Temos que ser mais produtivos. Mas, conseguiremos ser tão produtivos a produzir cortiça como os Alemães a produzir automóveis?

A produtividade é definida como a relação entre a produção e os factores de produção utilizados. Ou seja, quanto mais produzirmos, usando menos recursos, mais produtivos seremos. Mas terá que ser necessariamente assim? 

No seu livro Predictably Irrational, Dan Ariely descreve o caso das pérolas negras que se tornaram num bem de luxo após terem sido expostas numa montra da 5ª Avenida de Nova Iorque, com um preço exorbitante. A produtividade aumentou consideravelmente.

Durante muitos anos procurou-se que o processo de desenvolvimento de software fosse como um processo industrial de produção de bens. Este processo caracteriza-se por tentar que o factor humano se torne similar aos restantes factores, como seja a matéria prima. Por exemplo, se aumentarmos a quantidade de matéria prima e reduzirmos o seu custo, podemos aumentar a produção e a produtividade. O mesmo raciocínio aplica-se ao trabalho humano. Quando este processo é bem sucedido é até possível substituir trabalho humano por trabalho automatizado, por exemplo usando robots. 

Contudo, logo nos anos 70, começou a haver indicações que para o desenvolvimento de software poderia não ser possível aplicar as mesmas regras. Fred Brooks observou que adicionar mais pessoas a um projecto de software que está atrasado relativamente ao planeado ainda o atrasa mais, o que é conhecido como a Lei de Brooks.

Não obstante esta constatação, continuou-se durante mais cerca de 20 anos a tentar industrializar o processo de desenvolvimento de software. Após os sucessivos insucessos, surgem, no final do anos 90, propostas de ágeis para o desenvolvimento de software que negam muitas das práticas industriais clássicas. Estas propostas, em vez de lutarem contra a intangibilidade do software, e consequente  dificuldade em o medir, procuram tirar partido dessas características. Assim, propõem um desenvolvimento pronto para se adaptar à mudança e dela tirar partido. 

Os métodos ágeis percebem que a produtividade no desenvolvimento de software não está na quantidade do produto mas na sua qualidade e, muito em particular, no seu impacto. Em onde Onde pára a inovação falo sobre o caso do Facebook.

Ou seja, na produção de certos tipos de produtos a produtividade começa na inovação.

Por outro lado, a palavra produtividade tem um peso histórico. Especialmente quando se torna programática, na forma de batalha da produção. Na batalha da produção do aço na China, durante o grande salto em frente, o resultado foi a produção de grandes quantidades de aço, de baixa qualidade, e que não servia para nada. Nestas batalhas, na memória, ficam apenas os culpados das derrotas anunciadas e os heróis das vitórias que foi necessário inventar.

domingo, 5 de junho de 2011

Onde pára a inovação

Há palavras que valem mais do que outras. Palavras que adquirem um valor que ultrapassa o seu significado. Normalmente um valor emotivo ao qual é difícil ficar indiferente, até por este ser partilhado por um grupo.

Estas palavras têm uma função importante, são mobilizadoras e desencadeiam comportamentos. Contudo, dado que o seu valor ultrapassa o seu significado, estes comportamentos podem não ter um fundamento na realidade. Esta situação não é necessariamente negativa, por exemplo algumas teorias económicas defendem que o optimismo do mercado é fundamental para o crescimento. O difícil é perceber a fronteira entre o optimismo e a bolha que ele pode criar.

Uma palavra que ganhou nos últimos anos algum deste efeito placebo, é a palavra inovação (sobre o efeito placebo associado ao valor ver Why a 50-cent aspirin can do what a penny aspirin can't de Dan Ariely). Ainda é cedo para avaliar se os comportamentos gerados criaram as sinergias necessárias e se estas tiveram de facto um impacto social e económico, mas, a palavra também funcionou como um agente de esperança.

No clássico The Innovator's Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail, Clayton M. Christensen estudou a indústria dos discos de computador. Esta indústria teve ciclos de inovação muito rápidos entre os anos 70 a 90. Ele observou que, nas empresas que foram sucessivamente perdendo a corrida pela inovação, a gestão fez o que devia ter feito, esteve centrada nas necessidades dos clientes. E, paradoxalmente, a tecnologia inovadora deve origem nessas empresas, ou então, elas tinham os conhecimentos necessários para criar a tecnologia inovadora. O que se passou foi que os seus clientes não estavam interessados na nova tecnologia.

As empresas que inovaram foram aquelas que descobriram/criaram clientes para a tecnologia. Estes clientes permitiram criar um novo mercado. Neste mercado a nova tecnologia aperfeiçoa-se e acaba por integrar o mercado dos clientes que inicialmente eram reticentes à mudança tecnológica. Quando isso acontece, as empresas que eram dominantes são destronadas pelas empresas emergentes.

A engenharia de requisitos é a fase do desenvolvimento de um sistema de informação em que se identificam as necessidades do cliente e se escreve uma especificação do sistema de informação a desenvolver. Dada a imaterialidade do software e a complexidade do contexto onde o problema existe, o engenheiro de requisitos tem bastante margem de manobra para criar/influenciar a definição do problema.

Nesta fase de engenharia de requisitos é possível inovar, no sentido em que é possível reformular o problema num contexto não previsto pelo cliente. Alguns gurus da engenharia de requisitos chamam a isto inventar requisitos. 

Esta diferença entre a engenharia de software e as engenharias mais clássicas está relacionada com a capacidade de um sistema de informação criar/alterar uma linguagem, como referi em A linguagem da informação. O que pode incluir alterar o significado de palavras, veja-se a palavra amigo no Facebook. Por outro lado, para ser inovador, um sistema de informação pode não necessitar de tecnologias disruptivas. Em A Face de todas as Faces refiro que a complexidade funcional do Facebook é diminuta e a sua complexidade tecnológica é o resultado do seu sucesso, necessidade de fornecer serviços a um grande número de utilizadores, e não a sua causa.

domingo, 22 de maio de 2011

A linguagem da informação

O desenvolvimento do sistema de informação para o registo electrónico de pacientes no Reino Unido, Public procurement: Only the bare bones, é mais um caso sintomático das dificuldades de desenvolvimento de sistemas de informação. Lançado com pompa e circunstância, arrasta-se agora carregando o seu manto de dinheiro.

O caso tem algumas semelhanças com o descrito em Do público e Do privado. Mas, há uma questão interessante que é levantada na notícia. O registo electrónico de pacientes é um objectivo inquestionável, que todos concordam ser necessário, mas parece não ter solução. A abordagem centralizada falhou, mas a delegação nas unidades de saúde também não parece trazer, refere um responsável, os resultados desejados.

Stephen Pinker, no seu livro How the Mind Works, defende que a linguagem é inata, é um órgão. Existe um período no crescimento humano em que esse órgão se modela para criar a linguagem. Num exemplo, adultos que têm contacto tardio, embora prolongado, com outra língua têm dificuldade em construir frases que não tenham ambiguidades, enquanto que os seus filhos criam uma língua própria (crioulo), ainda que possuindo simplificações gramaticais, por junção de elementos da língua materna e da língua exógena, e com a qual constroem frases sem ambiguidades.

A actividade dos profissionais de saúde implica uma grande responsabilidade pois das suas acções pode depender a vida humana. Frequentemente essa responsabilidade é a título individual e resulta das interacções directas e pessoais entre o profissional e o paciente. Nestas interacções a linguagem é um elemento importante e pode ganhar um carácter único, quer associado ao profissional, quer associado à sua interacção com o paciente. A tentativa de normalizar essa linguagem entre os profissionais não é uma tarefa fácil.

A definição de normas em sistema de informação também não tem sido uma tarefa fácil, embora seja percebida por todos como necessária. Tem havido duas abordagens, a abordagem centralizadora e a abordagem de consenso. A abordagem de centralizadora acontece quando uma tecnologia se torna hegemónica e fica a norma de facto. A vantagem desta abordagem é que não necessita de criar compromissos tecnológicos, pelo que frequentemente a tecnologia é mais simples. Por consenso acontecem duas situações, por um lado a tecnologia vai ter de integrar muitos compromissos, pelo que ficará mais complexa, e por si só não assegura que irá ser adoptada. O comité de normalização pode ser o local onde os vários interessados medem forças (disputa de memes).

A tecnologia existe para satisfazer as necessidades das pessoas e o seu uso, e muito em particular o uso da tecnologia da informação, está intimamente ligado à sua linguagem. Um dos aspectos centrais do desenvolvimento de um sistema de informação é a criação, ou alteração, de uma linguagem.

sábado, 14 de maio de 2011

A Face de todas as Faces

Em Agosto do ano passado, durante as férias, fui com alguma frequência a cibercafés. Ao percorrer as filas de computadores, a interface Facebook imperava na maioria, se não na totalidade, dos ecrãs. Se fosse um extraterrestre acabado de chegar ao planeta associaria o ecrã de um computador à interface do Facebook.

Recentemente, ao procurar obter informação sobre um evento que iria ocorrer em Lisboa, a forma mais fácil de a encontrar foi procurando no Facebook. Actualmente as páginas web são mais acedidas a partir de páginas do Facebook do que a partir de pesquisas no Google. 

Todos estão no Facebook, ou vão lá estar em breve. Várias organizações a que pertenço já têm página no Facebook, desde as organizações onde trabalho até aos bancos de que sou cliente. Não que o Facebook lhes permita disponibilizar melhor a informação, com maior usabilidade ou com mais detalhe, do que nos seus sites institucionais, mas é lá que as pessoas estão. E a estratégia do Facebook é que de facto todos lá estejam. O Facebook apresenta a informação do Wikipedia dentro da sua interface. A interface de programação disponibilizada pelo Facebook tem como objectivo embutir aplicações no Facebook. Por exemplo, a empresa que desenvolve o jogo Civilization já anunciou que irá brevemente ter uma versão para o Facebook. 

Há alguns anos atrás as aplicações migraram para uma interface web, ainda que perdendo alguma usabilidade, hoje estão a migrar para a interface Facebook. 

Do ponto de vista do software, a complexidade funcional do Facebook é diminuta. O seu impacto resulta de as pessoas lá fazerem login.

O Facebook é o passo mais recente da história dos sistemas de informação, cada um deles com uma empresa bandeira: o hardware (IBM), o software (Microsoft), os conteúdos (Google), e as comunidades (Facebook). O produto tem-se tornado mais intangível, e o ritmo, e duração, da mudança mais rápido. Na passagem do software para os conteúdos deu-se uma alteração drástica do modelo de negócio. Deixou de se haver uma troca comercial explícita (o software da Google é grátis). O produto são os conteúdos criados e acedidos pelas pessoas enquanto usam o software Google.

O Facebook tem 6 anos e o seu negócio é provavelmente mais volátil que todos os anteriores. É uma comunidade e está dependente dessa comunidade. 

O que surgirá a seguir? Um produto ainda mais intangível e com um crescimento ainda mais meteórico?

domingo, 8 de maio de 2011

Um macaco chamado Nicollò Machiavelli

No DigArtMedia encontrei uma referência a uma animação de uma apresentação de Evgeny Morozov sobre o impacto político da Internet.


Evgeny Morozov argumenta que também se deve tentar perceber as consequências negativos da internet. Contrapõe este argumento à ideia naive de que a tecnologia web é, por si só, um instrumento de  democracia.

Num primeiro argumento, descreve como a tecnologia web é usada para reprimir. Por exemplo, no Irão a técnica de crowdsourcing é usada para identificar opositores políticos. As fotografias de participantes em manifestações são colocadas na web e as pessoas são convidadas a identificá-los.

Num segundo argumento, ressalta a vertente da internet como instrumento de entretenimento que tem uma dimensão muito superior à vertente de intervenção social.

Concordo que a tecnologia por si só não provoca alterações, é na interligação dos aspectos sociais e tecnológicos que de facto as mudanças acontecem, mas não partilho uma visão pessimista. A perspectiva pessimista de Evgeny Morozov parece-me bastante em sintonia com a visão de George Orwell sobre a manipulação da informação descrita no livro 1984. Com efeito, quando se procura forjar entidades no Facebook para dar credibilidade a notícias, começa-se a estar próximo das técnicas maquiavélicas, descrita por Orwell, em que o governo forja o movimento de oposição para assim identificar aqueles que têm tendências oposicionistas, ainda que estas apenas sejam originadas devido ao movimento inventado pelo governo. Uma ilustração do pecado original tão caro à verdade e ao poder absoluto.

Contudo, deve-se ter uma perspectiva menos imediata sobre os efeitos da tecnologia. É também necessário olhar para outras tecnologias. Existem tecnologias que permitem a disseminação da informação e que já são usadas há mais tempo, como seja a fotografia ou o vídeo. Não é claro que a fotografia e o vídeo tenham reduzido a capacidade de alteração social. Sem dúvida que todos podem usar essas tecnologias. É possível filmar as pessoas de uma manifestação, mas na maior parte dos casos elas pretendem ser filmadas pois querem dar impacto aos seus protestos. Arriscam pagar um preço, mas se assim não fosse também não se manifestariam.

Mesmo a vertente de entretenimento pode ter impacto. As telenovelas na Índia têm alterado a condição da mulher das zonas rurais. As mulheres deixam de tolerar situações que eram ancestralmente imutáveis. A alteração provocada pelas telenovelas não tem a redenção poética do homem de Platão a sair da caverna, mas parece ser eficaz.

Em minha opinião, quando maior for a facilidade de duplicação e transmissão da informação menos capacidade existe de a controlar. Pode-se questionar, mas se observamos o que se tem passado desde que saímos de cima das árvores até aos dias de hoje, o sentido do vector parece ser claro.

domingo, 1 de maio de 2011

O cavaleiro branco do mercado

Quando era garoto havia um anúncio na televisão que me impressionava. Era o cavaleiro branco do Ajax! Impressionava-me pela sua brancura imaculada, cavalo branco, armadura branca e lança resplandecente. Talvez também fosse por causa da televisão ser a preto e branco e o cavaleiro sobressair no meio de todos aqueles cinzentos.

Desde a queda do comunismo, que o meme do mercado se tornou dominante na "pool" de memes (Da democracia e Dos genes). Tornou-se de tal forma dominante que muitas vezes o dito "mas isso é o mercado a funcionar" acaba com qualquer tentativa de argumentação.

Contudo, o mercado para funcionar pressupõe algum equilíbrio nas relações entre os agentes. Da mesma forma que quando uma planta, ou um animal, se torna dominante no seu ecossistema o acaba por destruir, e a prazo destrói-se a si mesma, também as relações de desequilíbrio entre os agentes do mercado podem levar a situações de ruptura, como por exemplo os problemas resultantes de acentuados desequilíbrios sociais.

Infelizmente, a administração pública é um agente fraco na relação de mercado. De facto, esse tem sido o tema de alguns dos posts deste blogue. A administração pública tem dificuldade em concorrer com as empresas privadas para a contratação dos melhores recursos humanos (Virar o problema do avesso), não consegue manter conhecimento acerca dos seus próprios processos (Onde pára o conhecimento), tem dificuldade em auditar a aplicação do dinheiro dos impostos (A cadeia de valor dos impostos), não consegue criar mecanismos de avaliação interna focados em objectivos que sejam percebidos pelas pessoas (Onde começa a avaliação), etc.

Recentemente, tem aumentado o número de defensores de uma solução de mercado para aquilo que tradicionalmente era público. Uma parte significativa da economia Portuguesa está ligada ao dinheiro público, aquele que resulta dos impostos, mas sendo a administração pública um agente fraco da relação de mercado temo que a sua prestação na gestão do dinheiro público não venha a ser muito diferente da actual. Poderá mesmo piorar, pois algumas situações que se venham a criar, especialmente as de desequilíbrio social, serão justificadas com "é o mercado a funcionar".

Mas será mesmo "o mercado a funcionar"? 

Para o mercado funcionar de facto a administração pública tem que ser um agente forte. Mas, como isso não se tem verificado até agora, não é por abrirmos as portas e "deixarmos entrar o mercado" que a administração pública se vai tornar num agente forte. O mercado terá dificuldade em funcionar pois o problema actual com a gestão do dinheiro público não é mais ou menos mercado.

Ou seja, é necessário criar as condições para a administração pública seja forte e defenda os interesses daqueles que pagam os impostos. Quando isso acontecer, pode-se abrir sem medo as portas ao mercado. De facto os outros agentes terão muito a temer desse agente forte, dado o volume de negócio que ele gera.

Mas, para tornar a administração pública mais forte é necessário aproximar os seus stakeholders, aqueles que pagam impostos, dos processos e decisões de gestão, quer como observadores/auditores quer como participantes activos. Os sistemas de informação poderão ter um contributo importante, pois permitem esbater as distâncias geográficas, políticas, de poder, de acesso à informação, de decisão e de comunicação. Contudo, o desafio é saber como isso pode ser conseguido através da conjugação adequada dos aspectos técnicos dos sistemas com as características sociais de quem os usa.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Da democracia e Dos genes

No dia 25 de Abril de 1974 tinha 10 anos. É uma boa idade para observar uma revolução. Já tinha alguma experiência da clandestinidade :-), escondíamos-nos sempre que aparecia a polícia por estarmos a jogar à bola na rua, mas ainda não tinha sido necessário aderir a alguma ideia redutora das outras ideias. Alguns dias após o 25 de Abril presenciei, estupefacto, o professor da 4ª classe dizer que também tinha sido perseguido pela PIDE. Estupefacto, porque não sabia o que era a PIDE, mas, sobretudo, porque falava como um companheiro, bem distante do professor que dava uma reguada por cada erro, acima dos cinco, no ditado. Também ganhei curiosidade por Álvaro Cunhal e Salazar, que nas descrições "fiéis" surgem com uma aura de pureza e determinação, acima do comum dos mortais.

O clássico de Richard Dawkins, O Gene Egoísta, descreve a evolução como a competição entre os genes, onde o organismo/corpo é apenas um mecanismo desenvolvido pelos genes para se manterem e tornarem dominantes na "pool" de genes. No fim do livro, Dawkins tem um capítulo onde conjectura, por analogia, que algo de semelhante se passará com a cultura. Os memes serão os elementos mínimos da cultura, como as ideias, que competem entre si para se manterem na "pool" de memes. Por exemplo, os dissidentes da ex União Soviética, que não professavam a ideia dominante do comunismo, eram frequentemente acusados de sofrerem doenças mentais, o que de imediato excluía as suas ideias da "pool" de memes por serem mal formadas.

A democracia é bastante diferente na Rússia, em Portugal e na Noruega, não obstante as regras básicas serem provavelmente as mesmas. Os genes das regras democráticas são os mesmos mas os memes das pessoas que vivem nesses países são muito diferentes. 

Neste momento de crise em Portugal refere-se que os políticos são maus, geneticamente impuros, e procuram-se outros que não sejam políticos. É necessário retirar estes políticos da "pool" de políticos e colocar lá outros que não o sejam, diz-se. Contudo, os genes dos políticos são iguais aos de todos os outros políticos no mundo, e das pessoas que eles representam. Parece que a diferença está nos memes. 

Os sistemas de informação também têm os seus genes e os seus memes. Para os primeiros temos as suas características próprias, as funcionalidades e não-funcionalidades, normalmente referidas como os requisitos dos sistemas de informação. Mas estas não determinam necessariamente a forma como irão ser usados. De facto, as pessoas apropriam-se dos sistemas de informação e usam-nos de formas para as quais estes não foram desenhados. Esta apropriação é influenciada pelas ideias, memes, que as pessoas têm acerca dos sistemas e de si próprios. Por exemplo, o facto de um sistema de informação ter uma funcionalidade que permite aos cidadãos obter informação que lhes permitirá auditar a actividade dos governantes, não implica que ela seja efectivamente usada, pois os cidadãos podem achar que "não vale a pena", "não serve de nada", ou até mesmo questionarem a fiabilidade dessa informação. 

Assim, os sistemas de informação para a cidadania virtual, onde existem funcionalidades para uma participação mais directa dos cidadãos na democracia, não asseguram por si só que as pessoas os usem para conseguir uma melhor democracia, da mesma forma que o funcionamento da democracia difere conforme as culturas. É necessário garantir que os cidadãos se apropriem dos sistemas da forma adequada. Para isso as funcionalidades devem permitir dar o retorno esperado aos cidadãos. Deve haver um constante reforço do valor da participação, e da vantagem de participar, e assim contribuir para o aumento da cultura democrática. 

sábado, 2 de abril de 2011

Onde começa a avaliação

A avaliação dos professores do ensino básico e secundário tem sido prolongadamente discutida. São inúmeros os parâmetros de avaliação, desde o progresso escolar dos alunos, até à assiduidade dos docentes e à organização de actividades extracurriculares.

Não obstante longamente discutida, a questão continua em aberto e prevê-se que venha a ser de novo discutida. Contudo, creio que existe um outra questão que tem que ser respondida primeiro. E é relativa aos alunos.

Como avaliar o percurso escolar dos alunos de uma forma imparcial e levando em consideração as especificidades sociais e económicas de cada aluno?

Para se responder a esta questão é necessário desenhar um sistema de informação que armazene os resultados escolares de cada aluno. Contudo isso não é suficiente. A progressão escolar do aluno deve ser ponderada pelo seu contexto social e económico.

É necessário escolher quais os aspectos sociais e económicos a considerar e os pesos para ponderar cada um deles. E eles poderão inclusivamente variar ao longo do tempo. Essa variação pode ocorrer por duas razões. Quer porque os tipos de condição social e económica dos alunos se alteram, ou porque os dados que vão sendo acumulados no sistema de informação permitem novas perspectivas sobre as realidades sociais e económicas dos alunos.

Esta é um dos exemplos de metamorfose entre a tecnologia e as organizações. Por um lado, os indicadores para os aspectos sociais e económicos são definidos em função da nossa percepção da realidade social e económica, mas, por outro lado, a existência do sistema vai permitir que tenhamos novas percepções sobre a realidade social e económica. Adicionalmente, a existência de um sistema de informação como este irá provocar alterações nos comportamentos dos stakeholders, o que obrigará à evolução do próprio sistema. 

Um exemplo de como um sistema de incentivos, o qual pressupõe uma avaliação, influencia o comportamento dos stakeholders vem descrito no livro Freakonomics. Em Freakonomics os stakeholders que respondem aos incentivos são professores, mas, não é estranhar que, se por exemplo, os resultados dos exames nacionais for primeira página sensacionalista dos jornais, e não obstante a educação ser uma corrida de fundo, os responsáveis pela gestão da educação tenham os incentivos errados.

Ou seja, não basta ter um sistema de informação é também necessário criar o contexto organizacional em que ele funcione de acordo com os objectivos para que foi desenhado. Neste caso da avaliação dos alunos, é necessário que a avaliação do percurso dos alunos seja imparcial. Para isso os alunos devem ser submetidos a avaliações uniformes e o processo deve ser auditado pelos cidadãos. O sistema de informação poderá ajudar na auditoria. De facto, foi por análise de um grande conjunto de dados que os autores de Freakonomics obtiveram as suas conclusões. Os cidadãos devem poder ter acesso aos dados do sistema de informação, uma vez que estes sejam limpos de informação pessoal. Assim, haverá um importante factor de regulação do sistema. Como os grupos de cidadãos se poderão organizar está relacionado com os aspectos da cidadania virtual e das comunidades virtuais que já referi em posts anteriores.

Concluindo, ao avaliar o percurso dos alunos estamos a criar as condições para avaliar todos os stakeholders do sistema. Relativamente aos professores, será inclusivamente possível criar incentivos para premiar os professores que conseguem bons resultados com os alunos social e economicamente mais desfavorecidos.

Mas também é possível avaliar os gestores da educação, e dada a existência de dados mais objectivos os incentivos serão para se concentrarem na eficácia e eficiência. Claro que os resultados serão menos espectaculares, não haverá significativas mudanças do sucesso escolar de um ano para o outro. Mas uma vez que isso seja percebido pelas pessoas, os incentivos para os gestores da educação serão reforçados no sentido certo.

A informação disponibilizada pelo sistema de informação estará mais próxima da realidade e será um bom indicador para apoio à decisão. Ela permitirá indicar como vai ser a nossa competitividade daqui a 20 anos relativamente aos restantes países europeus, claro que para isso é necessário ter programas e avaliações uniformes a nível europeu para as algumas disciplinas. Também indicará se as zonas socialmente mais desfavorecidas se encontram em evolução para uma sociedade mais equilibrada ou em direcção à criação, ou manutenção, de uma zona de exclusão social.

E acima de tudo, os cidadãos terão acesso a esta informação e podem ter uma influência mais directa sobre as políticas educativas e sociais, a sua eficácia e eficiência, nas quais é aplicado o dinheiro dos seus impostos.

terça-feira, 29 de março de 2011

Onde pára o conhecimento

Há algum tempo atrás fui contactado pelos responsáveis do sistema de informação de um organismo público. Não estavam satisfeitos com a empresa de software que desenvolveu e mantinha o seu sistema de informação e pretendiam proceder a uma reimplementação, usando outra tecnologia. A mudança de tecnologia era a escusa para a reimplementação do sistema de informação. De facto, a tecnologia alternativa que se propunha era muito semelhante, em termos das suas capacidades, com a tecnologia existente.

Após conversamos um pouco, apercebi-me que a empresa de software detinha o conhecimento do negócio do organismo público. A empresa de software tinha um melhor conhecimento do negócio do organismo público que os responsáveis do sistema de informação. Esta situação tinha levado a uma situação de dependência. Os responsáveis tinham a sua capacidade de decisão limitada.

Como se chega a este tipo de situação? Neste caso o desenvolvimento seguiu o modelo outsource. Foi desenvolvido um sistema de informação à medida. Geralmente, sempre que  se desenvolve um sistema de informação geram-se as condições para tornar explícito o conhecimento acerca da organização. Durante o processo de levantamento de requisitos, e mais tarde durante o desenvolvimento, vão-se identificar e tornar explícitas as regras de funcionamento da organização.

Um vez tornado explícito o conhecimento sofre várias transformação na forma como está representado para poder ser executado num computador. A sua representação final está incluída do programa que implementa o sistema de informação. Os engenheiros informáticos que participam neste processo ganham um conhecimento profundo sobre o negócio da organização. 

E é aqui que o problema começa. Numa situação de outsource, a organização recebe o sistema de informação mas não recebe necessariamente o conhecimento. De facto, e um pouco paradoxalmente, até perde conhecimento. A automatização trazida pelo sistema de informação faz com que o conhecimento fique transparente para as pessoas que operam a organização suportada pelo sistema. Ou seja, o conhecimento, que estava implicitamente nas pessoas da organização, é tornado explícito e incorporado no sistema de informação, onde fica de novo implicito. A manutenção do sistema de informação, efectuada pela empresa que o desenvolveu, é de facto a manutenção desse conhecimento.

Nesta situação a dependência torna o organização contratante o elemento fraco da relação contratual. E os custos poderão aumentar.

Existem diversas formas de tentar manter o conhecimento dentro da organização. A mais drástica que tive conhecimento foi uma instituição bancária que resolveu adquirir a empresa de software que desenvolveu alguns dos seus sistemas de informação. Um exemplo de passagem de desenvolvimento outsource para in-house. Mas administração pública não tem essa capacidade. Assim tem que procurar manter o conhecimento internamente através dos seus recursos humanos, mas também aí tem que contar com a competição das empresas de software na contratação desses recursos.

Como resolver este problema, no contexto da administração pública, sem voltar ao desenvolvimento in-house? É necessário que a organização não perca o conhecimento. Mais ainda, deve procurar que ele seja público. Para isso, deve ser externalizado, por exemplo participando em organizações de normalização. Por outro lado, deve procurar motivar o aparecimento de comunidades (virtuais) que estejam interessadas na manutenção desse conhecimento. Poderão ser comunidades de utilizadores interessados em discutir como o serviço pode ser melhorado, ou comunidades de cidadãos interessados em auditar o funcionamento da organização. Também se poderá usar o conhecimento na formação, interna ou externamente. Ou seja, o conhecimento deverá ser aberto um pouco por analogia com o software aberto.

A administração publica deve possuir conhecimento aberto para aumenta a sua capacidade negocial  nos concursos para o desenvolvimento e manutenção dos seus sistemas de informação.

sábado, 19 de março de 2011

A cadeia de valor dos impostos

No livro Colapso: Ascensão e queda das sociedades humanas, Jared Diamond discute como as pessoas podem influenciar as atitudes ambientais das empresas que exploram os recursos naturais do planeta. Para isso, compara o sector petrolífero com o sector mineiro. É de algum modo surpreendente que os impactos ambientais do sector mineiro sejam bastante superiores aos do sector petrolífero, mas as preocupações ambientais do primeiro, por exemplo nos gasto com segurança, são muito inferiores às do segundo. Diamond aponta várias razões, como seja as superiores margens de lucro das empresas petrolíferas, mas aquela que vou abordar é o impacto que as pessoas podem ter nas decisões das empresas sobre questões ambientais.

Uma diferença entre o sector mineiro e o sector petrolífero está na capacidade das pessoas identificarem a cadeia de valor das empresas petrolíferas. A informação sobre um derrame de crude da responsabilidade de uma empresa petrolífera pode influenciar a nossa decisão acerca de abastecermos o nosso automóvel numa estação de combustível dessa empresa. Ou seja, as pessoas possuem algum conhecimento sobre a cadeia de valor da empresa pelo que podem decidir se participam nela como clientes.

Por outro lado, quando adquirimos um automóvel não sabemos de que mina, e empresa mineira, é proveniente o cobre utilizado no fabrico do automóvel. A cadeia de valor de produção do cobre não possui uma identidade que permita a sua identificação pelos clientes finais. A produção de cobre desvanece-se nas cadeias de valor dos produtos em que é utilizado. Desta forma, a pressão sobre as companhias mineiras para terem preocupações ambientais é menor.

Um outro caso em que as cadeias de valor perdem a sua identidade é a do chocolate. Crianças trabalham nas explorações agrícolas de cacau, algumas das quais numa situação de quase escravatura. O problema é idêntico ao do sector mineiro. Quando estou a comer um delicioso chocolate negro não tenho forma de saber em que condições foi produzido o cacau usado no seu fabrico.

No caso do cacau existem iniciativas de certificação do cacau produzido sem a utilização de trabalho escravo, mas há notícias de armazéns certificados receberem a produção de explorações agrícolas não certificadas. Como será possível tornar os processos de certificação mais credíveis e auditáveis pelos consumidores finais?

Um problema semelhante passa-se na cadeia de valor dos impostos. Neste caso as pessoas estão em ambas as pontas da cadeia de valor, como contribuintes e como cidadãos. Mas também aqui lhes é difícil perceber como cidadãos se as suas contribuições foram devidamente aplicadas. Nos últimos anos, os sistemas de informação têm-se mostrado eficazes em garantir que todos os cidadãos contribuem. Mas também deveriam permitir a sua participação na certificação de todo o processo de aplicação das suas contribuições.

domingo, 13 de março de 2011

Virar o problema do avesso

Há alguns anos atrás, participei num projecto de desenvolvimento de um sistema de informação para a minha escola. O sistema que se encontrava a funcionar na altura tinha sido desenvolvido nos anos 80 e já não suportava com facilidade alterações. O sistema foi a inovador para a época em que tinha sido desenvolvido. Contudo, a tecnologia utilizada tinha-se tornado obsoleta, e estava-se a atingir a situação crítica em que o conhecimento acerca do sistema estava em uma ou duas pessoas. 

Quando procurámos perceber como se tinha chegado a esta situação foram-nos apontadas diversas razões. O projecto foi um sucesso, tendo contado com o apoio da gestão que se tinha envolvido directamente nele, mas o seu envolvimento foi progressivamente diminuindo. Os utilizadores faziam constantes pedidos de alterações dado não haver custos associados, tendo-se tornado um projecto com uma significativa vertente de manutenção. Haver poucas pessoas no mercado de trabalho que dominassem as tecnologias usadas. A incapacidade da escola concorrer com as empresas de software para a contratação dos melhores recursos humanos, quer em termos salariais quer em termos de perspectiva de carreira.

Estávamos portanto perante uma situação típica dos problemas resultantes do desenvolvimento de um sistema in-house. As receitas para este problema são conhecidas: comprar feito (off-the-shelf) ou mandar fazer (outsource). 

O sistema de informação iria focar sobre o core business da escola, a gestão dos planos curriculares, a gestão dos semestres, etc. Por exemplo, pretendia-se vir a ter a capacidade de adaptar facilmente os planos curriculares, curso a curso e ao longo dos anos. Esta situação tornava a solução de comprar feito menos interessante pois o sistema a adquirir seria idêntico ao usados por outras escolas que adquirissem o mesmo sistema, reduzindo a capacidade de o sistema de informação ser um instrumento da estratégia de diferenciação da escola relativamente às restantes. A solução de mandar fazer resolve o problema do suporte informático à diferenciação estratégia dado que sistema será feito à medida. Contudo, requer uma maior competência da escola em termos de informática. É necessário ter profissionais que trabalhem no levantamento de requisitos e que tenham as competências necessárias para gerir o contrato com a empresa de software durante um longo período de tempo. Ou seja, no caso de mandar fazer, a escola terá que ter recursos humanos com conhecimentos na área da informática, enquanto que na opção de comprar feito essa capacidade não será tão relevante.

Em ambas as situações, comprar feito e mandar fazer, embora os custos iniciais sejam menores eles tendem a aumentar com a manutenção que pode durar muitos anos. Uma outra situação que se verifica é que as organizações que seguem estas estratégias ficam dependentes das empresas de software. Relativamente ao desenvolvimento in-house, passa-se da dependência de uma equipa interna para a dependência de uma organização externa.

Este era o problema que tínhamos entre mãos e, dado que já tínhamos identificado as vantagens e desvantagens de cada uma das possíveis soluções, agora era altura de decidir. Este problema é de facto ubíquo a todas as organizações que necessitam de sistemas de informação para o seu funcionamento, espero futuramente voltar a esta questão.

A solução que na altura parecia mais indicada, um pouco influenciada pelo resultado do desenvolvimento in-house, seria de procurar ter o desenvolvimento fora. Contudo nós resolvemos olhar de novo para o problema e reformulá-lo da seguinte forma:
  • O problema tem a ver com o facto das actividades associadas ao desenvolvimento do sistema de informação não contribuírem para a missão da escola, embora o sistema de informação dê suporte ao core business da escola.

Tendo reformulado o problema, procurámos perceber qual era a missão da escola e como é que o desenvolvimento do sistema de informação poderia ser colocado nesse contexto:
  • Transmissão de conhecimento - dado que uma das missões da escola é o ensino porque não usar o sistema de informação e o seu processo de desenvolvimento como material pedagógico.
  • Criação de conhecimento - dado que uma outra missão da escola é a investigação porque não fazer investigação sobre problemas identificados no projecto e aplicar os resultados da investigação no sistema.
  • Transferência de tecnologia - dado que a escola tem a responsabilidade de transferir para a sociedade os resultados do seu trabalho porque não fazer o desenvolvimento open-source e motivar outras escolas a usar o sistema e empresas a fazer a sua distribuição e adaptação.

Seguindo esta estratégia, o sistema passa a ter um valor próprio para a missão da escola deixando de ser secundário, embora necessário. Para além disso permitiu-nos resolver alguns dos problemas que identificámos, ou foram pelo menos colocados numa nova perspectiva que permite outras soluções:
  • Dado que o sistema é usado no ensino, o número de recursos humanos que conhecem o sistema é maior, evitando que o conhecimento fique reduzido a um reduzido grupo de pessoas. Por outro lado, o custo dos recursos humanos será menor dada a oferta.
  • O facto de haver investigação sobre o sistema evita que a tecnologia que usa se torne obsoleta, sendo motivante para as pessoas que nele trabalham, pois sentem que estão a trabalhar com tecnologia de ponta. Por outro lado, os trabalhos de investigação evitarão que o desenvolvimento seja apenas de manutenção.
  • A partilha do desenvolvimento e do conhecimento seguindo o modelo open-source permite resistir às flutuações do envolvimento da gestão, o projecto é independente das decisões da gestão de uma particular escola, e de financiamento, as escolas que tiverem mais recursos num determinado momento serão aquelas que "puxarão" o projecto. Adicionalmente, o conhecimento sobre os sistema deixa de ficar limitado a uma única organização.

Apresentei este caso durante um painel da SINFO sobre Sistemas de Informação na Administração Pública pois acredito que muitos dos problemas são iguais àqueles que tivemos que enfrentar. Contudo, não creio que a solução possa ser a mesma pois nestas coisas a "cópia" não funciona. Ainda assim, o espectro das variações sobre as 3 alternativas standard está sempre lá - in-house, off-the-shelf e outsource - a não ser que se vire o problema do avesso.

domingo, 6 de março de 2011

Da desordem à ordem natural das coisas

"Segundo as teorias mais recentes, a Terra na sua origem seria um pequeno corpo frio que aumentaria depois englobando meteoritos e poeiras meteoríticas.

Ao princípio iludíamos-nos de que conseguiríamos mantê-la limpa -- contou o velho Qfwqf -- ..."

Durante o desenvolvimento de sistemas de informação existe a preocupação que incluam o conhecimento sobre o negócio a que se pretende dar suporte. Este conhecimento, normalmente referido como a lógica de negócio, é determinante no impacto que o sistema de informação vai ter na organização onde será instalado. Passa-se de uma organização onde o conhecimento se encontra nas pessoas, e que depende delas para o seu funcionamento, para uma situação em que o sistema de informação orienta as acções das pessoas de acordo com a lógica de negócio que implementa.

São inúmeras as vantagens do sistema de informação incluir a lógica de negócio. Para além da normalização do funcionamento do negócio, permite automatizar muitas acções reduzindo custos, e assegurar que as regras definidas são seguidas.

Antes da instalação do sistema de informação, é frequente que a organização possua um reduzido nível de controlo, a eficiência seja baixa, aconteçam muitas situações de erro, haja dados incoerentes e não seja possível obter-se a informação que se necessita com facilidade. Neste contexto, o impacto da instalação do sistema de informação é o de arrumar a organização.

"...A Terra começava a ficar tão grande que já nem todos os dias Xha conseguia ter tempo para a correr toda..."

Contudo, mesmo que se deseje, não é possível incluir todo o conhecimento acerca do negócio no sistema de informação, e mesmo se isso fosse possível a sua utilização faz surgir novas situações que não estavam abrangidas pelo corpo de conhecimento inicial.

Por outro lado, quando o conhecimento passa das pessoas para o sistema de informação acontece um fenómeno de desresponsabilização. Sendo o sistema detentor do conhecimento, as pessoas que o utilizam passam a delegar toda a responsabilidade do que acontece, positivo ou negativo, no sistema.

Contrariamente ao que ocorria antes, em que não obstante a desordem, as pessoas assumiam os problemas como seus e eram pró-activas para a sua solução, agora, tudo o que o sistema não resolve é uma impossibilidade, não tem solução: O sistema não deixa!

"...Assim, qualquer objecto novo que caísse sobre o nosso planeta acabava por encontrar o seu lugar como se sempre ali estivesse estado, a sua relação de interdependência com os outros objectos, e a irracional presença de um achava a sua razão na irracional presença dos outros, a ponto de a geral desordem começar a poder ser considerada a ordem natural das coisas..."

Existem tecnologias que ajudam as pessoas a fazer o seu trabalho sem orientar as suas acções, como o correio electrónico ou os wikis. Mas estas tecnologias não suportam lógica de negócio, são tecnologias genéricas de suporte à colaboração entre as pessoas.

Um dos actuais desafios da engenharia de software é criar as ferramentas que orientem as acções das pessoas mas não as desresponsabilizem. Que a lógica de negócio não iniba a reacção e o tratamento do imprevisto. Que o que não foi considerado no desenho inicial do sistema possa ser relacionado com o que foi tomado em consideração. Os sistemas de informação, e as tecnologias sobre os quais são desenvolvidos, deverão passar a ter embutidos de raíz funcionalidades semelhantes às do correio electrónico e dos wikis.

O texto entre aspas foi transcrito do conto Meteoritos de Italo Calvino, publicado pela Editorial Teorema, no livro Novas Cosmicómicas, numa tradução de José Colaço Barreiros.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Das comunidades virtuais

Participei num painel da semana de informática do IST (SINFO) sobre Sistemas de Informação na Administração Pública. Dos vários assuntos que foram discutidos, um é particularmente importante para a pergunta sobre como é que os sistemas de informação podem aumentar a capacidade de intervenção dos cidadãos no desenho, implementação e auditoria dos projectos públicos: as comunidades virtuais.

O tema das comunidades virtuais, ou comunidades de prática, foi referido, pelo participante da AMA no panel, numa vertente de redução de custos. Alguns casos referidos foram o Wikipedia e o Directionleesgov em que grupos de cidadãos de forma (des)interessada participaram em projectos que se revelaram tanto ou mais eficazes que projectos semelhantes mais pré-estruturados e desenvolvidos com (muito) mais recursos financeiros, respectivamente a Encyclopeadia Britannica e Directgov. Para além da redução de custos que as comunidades virtuais podem trazer, devido a uma distribuição voluntária do trabalho originada pelas mais variadas razões, um outro é o caso do Google Image Labeler, as comunidades virtuais são a base de uma nova forma de participação das pessoas que é possibilitada pela tecnologia.

O sucesso das comunidades virtuais depende da mistura acertada de aspectos tecnológicos e sociais. Por exemplo, as comunidades virtuais do Facebook, do YouTube e do Wikipedia têm características diferentes. No Facebook a identidade dos membros da comunidade é credível, ainda que possam ser forjadas identidades. Isso é possibilitado pelo conjunto de funcionalidades do Facebook que levam a que sejam associadas fotografias às pessoas, não apenas pelos próprios mas também por outros. Adicionalmente, a principal forma de criação dos grupos sociais é através do conceito de amigo, ainda que no contexto Facebook o conceito de amigo tenha ganho um significado próprio, um exemplo das metamorfoses resultantes das interacções entre a tecnologia e as pessoas. Por outro lado, no YouTube as identidades estão mais próximas do avatar, em que a metamorfose possibilitada pela tecnologia é explicitamente assumida e explorada. Já no Wikipedia a identidade não é explícita no conteúdo, o conteúdo é de facto uma construção social onde se diluem as identidades que o criaram, mas fica registada (não obstante serem permitidas participações anónimas) no processo de criação. Este registo é importante para a formação dos grupos sociais do Wikipedia que são baseados no mérito da contribuição social reconhecido pelos pares.

Em suma, diferentes comunidades têm diferentes características as quais são possibilitadas por diferentes funcionalidades da tecnologia e os objectivos das pessoas que usam a tecnologia. O Facebook é uma comunidade onde se socializa, no YouTube a comunidade é quase secundária e funciona para a difusão de emoções após a visualização de um video (audição de uma música), enquanto que no Wikipedia é uma sociedade de artífices movidos por uma ideia de bem comum.

O Orçamento Participativo da Câmara Municipal de Lisboa é uma iniciativa que promove a intervenção dos cidadãos no desenho e decisão sobre projectos municipais. A iniciativa vai no caminho certo de retirar os cidadãos da ponta das cadeias de valor onde são aplicados os seus impostos. Neste caso, os cidadãos podem participar no desenho, através da apresentação de propostas, e na atribuição de recursos, através do voto em propostas.

Contudo, este exemplo mostra que não é fácil desenvolver estes projectos e que é necessário aprender com a experiência e ir afinando a relação entre a tecnologia e as pessoas. Por exemplo, a minha participação foi inicialmente motivada pelo sms de um amigo que me incentivava ao voto num projecto que tinha ajudado a conceber. Ulteriormente recebi um email de uma outra pessoa a promover o seu projecto. Uma vez feito o acesso no sítio pude ver alguma informação sobre os projectos e votar. Senti falta da comunidade virtual. Tomei conhecimento do projecto no contexto de comunidades externas ao contexto do projecto, o município de Lisboa, e uma fez que acedi ao sistema de informação não fui cativado a aderir a uma comunidade virtual e a interagir com ela, mas apenas a votar.

Não é fácil desenvolver estes projectos, se o fosse a Google já teria transformado a comunidade YouTube numa concorrente séria da comunidade Facebook. É necessário caracterizar a comunidade que se pretende ter, quais os seus objectivos e como é que tudo poderá ser possibilitado por um conjunto de funcionalidades da tecnologia, as quais terão que ser afinadas de acordo com a caracterização da comunidade pretendida.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Do público e Do privado

Há algum tempo fiz uma apresentação, numa sessão organizada pela ComputerWorld dedicada à engenharia de software, em que descrevi um caso de desenvolvimento e instalação de um sistema de informação para a administração pública.  Como muito frequentemente acontece, o projecto teve um atraso de 18 meses e o custo foi 3 vezes superior ao inicialmente orçamentado. Para além disso, quando entrou em funcionamento, originou um conjunto de situações que ficaram fora de controlo, onde aspectos sociais e tecnológicos se entrelaçaram e se tornou difícil destrinçar as causas dos efeitos.

Em traços gerais, após um custo de valor equivalente a cerca de 18 milhões de euros, o sistema foi para produção tendo como resultado que um elevado número de funcionários tiveram problemas com o pagamento dos seus vencimentos. O que se seguiu foi o envolvimento de técnicos e políticos, governo e oposição, sindicatos e media. O caso foi primeira página dos jornais, notícia nas televisões e tornou-se alvo das conversas de rua. O projecto era o primeiro, e era visto como o demonstrador, de uma nova estratégia para os sistemas de informação da administração pública, a de ter serviços partilhados.

Após a minha apresentação, perguntaram-me se os resultados teriam sido os mesmo caso o projecto tivesse ocorrido numa empresa privada. A pergunta tem uma resposta "óbvia": os resultados não teriam sido os mesmos. O projecto teria sido cancelado mais cedo, teria sido mais fácil apurar as responsabilidades, etc, etc, etc. Contudo, a resposta "óbvia" peca por dar uma visão redutora do problema, uma vez que não é trivial "privatizar o público".

Senão vejamos. O que distingue um projecto privado de um projecto público é o conjunto de stakeholders envolvidos. Em particular, um projecto público é financiado com o dinheiro dos contribuintes, o que os torna em intervenientes interessados nos resultados do desenvolvimento do sistema, em tudo semelhante ao interesse dos accionistas da empresa privada no resultado dos projectos da empresa. Contudo, existem diferenças na forma como eles, os accionistas e os contribuintes, podem intervir.

A intervenção dos contribuintes nos projectos públicos é mais indirecta que a intervenção dos accionistas nos projectos privados. Quando votam não estão a avaliar o sucesso ou insucesso de um particular projecto, ou de um conjunto de projectos, em última instância o lucro da empresa, mas sim um vasto conjunto de resultados económicos e sociais. Por outro lado, os contribuintes não podem vender as suas participações no capital público.

A solução de transformar os projectos públicos em privados, latente na pergunta, é falaciosa pois pressupõe que é possível criar projectos do interesse público em que os contribuintes não são stakeholders.

Ou seja, não é possível "privatizar o público".

É claro que este problema não se aplica apenas a projectos de desenvolvimento de sistemas de informação. Mas tem uma especial incidência no desenvolvimento de sistemas de informação pois nestes as fases de desenho, implementação e manutenção intercalam-se, dificultando a gestão e controlo do projecto. Assim, uma questão importante, que tem que ser levantada, é como desenvolver sistemas de informação onde existe financiamento público, de uma forma eficaz, e tirando partido da própria orgânica dos stakeholders envolvidos, em vez de os negar. Por outro lado, e relacionado com a questão anterior, é importante perceber como é que as tecnologias de informação podem ajudar os stakeholders localizados na ponta de uma longa cadeia de valor onde são aplicadas as suas contribuições, a ser mais intervenientes no desenho, implementação e auditoria dos projectos públicos.

É necessário fazer estas perguntas para encontrar respostas que vão ao cerne do problema.