domingo, 6 de março de 2011

Da desordem à ordem natural das coisas

"Segundo as teorias mais recentes, a Terra na sua origem seria um pequeno corpo frio que aumentaria depois englobando meteoritos e poeiras meteoríticas.

Ao princípio iludíamos-nos de que conseguiríamos mantê-la limpa -- contou o velho Qfwqf -- ..."

Durante o desenvolvimento de sistemas de informação existe a preocupação que incluam o conhecimento sobre o negócio a que se pretende dar suporte. Este conhecimento, normalmente referido como a lógica de negócio, é determinante no impacto que o sistema de informação vai ter na organização onde será instalado. Passa-se de uma organização onde o conhecimento se encontra nas pessoas, e que depende delas para o seu funcionamento, para uma situação em que o sistema de informação orienta as acções das pessoas de acordo com a lógica de negócio que implementa.

São inúmeras as vantagens do sistema de informação incluir a lógica de negócio. Para além da normalização do funcionamento do negócio, permite automatizar muitas acções reduzindo custos, e assegurar que as regras definidas são seguidas.

Antes da instalação do sistema de informação, é frequente que a organização possua um reduzido nível de controlo, a eficiência seja baixa, aconteçam muitas situações de erro, haja dados incoerentes e não seja possível obter-se a informação que se necessita com facilidade. Neste contexto, o impacto da instalação do sistema de informação é o de arrumar a organização.

"...A Terra começava a ficar tão grande que já nem todos os dias Xha conseguia ter tempo para a correr toda..."

Contudo, mesmo que se deseje, não é possível incluir todo o conhecimento acerca do negócio no sistema de informação, e mesmo se isso fosse possível a sua utilização faz surgir novas situações que não estavam abrangidas pelo corpo de conhecimento inicial.

Por outro lado, quando o conhecimento passa das pessoas para o sistema de informação acontece um fenómeno de desresponsabilização. Sendo o sistema detentor do conhecimento, as pessoas que o utilizam passam a delegar toda a responsabilidade do que acontece, positivo ou negativo, no sistema.

Contrariamente ao que ocorria antes, em que não obstante a desordem, as pessoas assumiam os problemas como seus e eram pró-activas para a sua solução, agora, tudo o que o sistema não resolve é uma impossibilidade, não tem solução: O sistema não deixa!

"...Assim, qualquer objecto novo que caísse sobre o nosso planeta acabava por encontrar o seu lugar como se sempre ali estivesse estado, a sua relação de interdependência com os outros objectos, e a irracional presença de um achava a sua razão na irracional presença dos outros, a ponto de a geral desordem começar a poder ser considerada a ordem natural das coisas..."

Existem tecnologias que ajudam as pessoas a fazer o seu trabalho sem orientar as suas acções, como o correio electrónico ou os wikis. Mas estas tecnologias não suportam lógica de negócio, são tecnologias genéricas de suporte à colaboração entre as pessoas.

Um dos actuais desafios da engenharia de software é criar as ferramentas que orientem as acções das pessoas mas não as desresponsabilizem. Que a lógica de negócio não iniba a reacção e o tratamento do imprevisto. Que o que não foi considerado no desenho inicial do sistema possa ser relacionado com o que foi tomado em consideração. Os sistemas de informação, e as tecnologias sobre os quais são desenvolvidos, deverão passar a ter embutidos de raíz funcionalidades semelhantes às do correio electrónico e dos wikis.

O texto entre aspas foi transcrito do conto Meteoritos de Italo Calvino, publicado pela Editorial Teorema, no livro Novas Cosmicómicas, numa tradução de José Colaço Barreiros.

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