domingo, 13 de fevereiro de 2011

Do público e Do privado

Há algum tempo fiz uma apresentação, numa sessão organizada pela ComputerWorld dedicada à engenharia de software, em que descrevi um caso de desenvolvimento e instalação de um sistema de informação para a administração pública.  Como muito frequentemente acontece, o projecto teve um atraso de 18 meses e o custo foi 3 vezes superior ao inicialmente orçamentado. Para além disso, quando entrou em funcionamento, originou um conjunto de situações que ficaram fora de controlo, onde aspectos sociais e tecnológicos se entrelaçaram e se tornou difícil destrinçar as causas dos efeitos.

Em traços gerais, após um custo de valor equivalente a cerca de 18 milhões de euros, o sistema foi para produção tendo como resultado que um elevado número de funcionários tiveram problemas com o pagamento dos seus vencimentos. O que se seguiu foi o envolvimento de técnicos e políticos, governo e oposição, sindicatos e media. O caso foi primeira página dos jornais, notícia nas televisões e tornou-se alvo das conversas de rua. O projecto era o primeiro, e era visto como o demonstrador, de uma nova estratégia para os sistemas de informação da administração pública, a de ter serviços partilhados.

Após a minha apresentação, perguntaram-me se os resultados teriam sido os mesmo caso o projecto tivesse ocorrido numa empresa privada. A pergunta tem uma resposta "óbvia": os resultados não teriam sido os mesmos. O projecto teria sido cancelado mais cedo, teria sido mais fácil apurar as responsabilidades, etc, etc, etc. Contudo, a resposta "óbvia" peca por dar uma visão redutora do problema, uma vez que não é trivial "privatizar o público".

Senão vejamos. O que distingue um projecto privado de um projecto público é o conjunto de stakeholders envolvidos. Em particular, um projecto público é financiado com o dinheiro dos contribuintes, o que os torna em intervenientes interessados nos resultados do desenvolvimento do sistema, em tudo semelhante ao interesse dos accionistas da empresa privada no resultado dos projectos da empresa. Contudo, existem diferenças na forma como eles, os accionistas e os contribuintes, podem intervir.

A intervenção dos contribuintes nos projectos públicos é mais indirecta que a intervenção dos accionistas nos projectos privados. Quando votam não estão a avaliar o sucesso ou insucesso de um particular projecto, ou de um conjunto de projectos, em última instância o lucro da empresa, mas sim um vasto conjunto de resultados económicos e sociais. Por outro lado, os contribuintes não podem vender as suas participações no capital público.

A solução de transformar os projectos públicos em privados, latente na pergunta, é falaciosa pois pressupõe que é possível criar projectos do interesse público em que os contribuintes não são stakeholders.

Ou seja, não é possível "privatizar o público".

É claro que este problema não se aplica apenas a projectos de desenvolvimento de sistemas de informação. Mas tem uma especial incidência no desenvolvimento de sistemas de informação pois nestes as fases de desenho, implementação e manutenção intercalam-se, dificultando a gestão e controlo do projecto. Assim, uma questão importante, que tem que ser levantada, é como desenvolver sistemas de informação onde existe financiamento público, de uma forma eficaz, e tirando partido da própria orgânica dos stakeholders envolvidos, em vez de os negar. Por outro lado, e relacionado com a questão anterior, é importante perceber como é que as tecnologias de informação podem ajudar os stakeholders localizados na ponta de uma longa cadeia de valor onde são aplicadas as suas contribuições, a ser mais intervenientes no desenho, implementação e auditoria dos projectos públicos.

É necessário fazer estas perguntas para encontrar respostas que vão ao cerne do problema.

1 comentário:

António Rito Silva disse...

Um caso semelhante com o sistema de registo pacientes no Reino Unido.
Public procurement: Only the bare bones - http://www.ft.com/intl/cms/s/0/60546d42-7ff3-11e0-b018-00144feabdc0.html#axzz1MdOpqZK7