A história da humanidade poderia ser escrita em função da história dos impostos. Impostos em sentido lato, ou seja, a forma como cada indivíduo, quer seja de livre vontade, quer seja coagido, contribui com parte dos seus recursos materiais para o bem comum. Desde o tempo da escravatura e do Robin dos Bosques até aos dias hoje o processo das contribuições individuais e da sua redistribuição pela comunidade tem procurado ser cada vez mais transparente e equitativo.
A atual crise democrática está ligada a um desfasamento, pelo menos ao nível da perceção de cada indivíduo, entre o que contribui para a comunidade e o que recebe em troca. E o que recebe em troca não necessita de ser de forma direta, pode ser através de estabilidade e diversidade social que podem ser a fonte da geração de mais riqueza. O nível de educação de uma comunidade ou o cultivar da diversidade de opiniões dentro da comunidade são disso exemplos.
Em torno deste desfasamento geram-se duas interpretações ligadas quer à direita quer à esquerda. Segundo a direita existe um esbanjamento dos recursos que são redistribuídos, quer porque a máquina de redistribuição é ineficiente, quer porque os beneficiários da redistribuição não a merecem e acomodam-se. Já a esquerda é muito cautelosa em colocar em causa a máquina de redistribuição e enfatiza a importância social da redistribuição, mas encontra-se atualmente na mó de baixo do senso comum sobre este problema.
Contudo, o processo de redistribuição é mais complexo e a ineficiência não está apenas ligada ao funcionamento da máquina mas também à decisão. Ou seja, a decisão de como e onde se gastam os recursos partilhados está longe das pessoas. E esses valores não são desprezáveis. São valores muito significativos que fazem mover uma parte significativa da economia. Por exemplo, a guerra no Iraque foi paga com o dinheiro dos impostos dos Norte-Americanos e houve muitas empresas privadas envolvidas, quer diretamente na utilização desse dinheiro, quer indiretamente nos negócios gerados em consequência da guerra. Este aspeto da ineficiência da distribuição não é muito referido pela direita e provavelmente origina um maior esbanjamento do que o da ineficiência da máquina do estado. Mas, como disse, não é esse hoje em dia o senso comum.
Considera-se que a invenção da imprensa marca o fim da idade média e o início do período moderno. O seu impacto foi enorme. O acesso e a divulgação do conhecimento ficou mais fácil, aumentou a diversidade, deixou de ser necessário pertencer a uma classe social, o Clero, para ter acesso ao conhecimento, e teve até influência no sucesso da cisão religiosa de Lutero e Calvino pela facilidade e relativo baixo custo com que as traduções da bíblia puderam ser divulgadas. Não obstante o seu impacto, a invenção de Gutemberg resultou da adequada combinação de um conjunto de técnicas conhecidas na altura. Um exemplo da construção de um produto de engenharia.
Também para os impostos é necessário um produto de engenharia. Este produto caracteriza-se por separar a decisão sobre quais são os objetivos da comunidade da forma como eles são concretizados. Os primeiros são definidos conjuntamente pela comunidade quando elege os seus governantes, já os segundos devem ser concretizados por cada indivíduo de acordo com o contributo que a comunidade decidiu lhe atribuir. Os governos definem os objetivos sociais e as pessoas gerem a aplicação da sua contribuição. Os governos são avaliados pelos objetivos sociais que definem, as pessoas são avaliadas pelo sucesso com que gerem a sua contribuição.
Sobre este mecanismo esbocei algumas ideias num post sobre a Gestão dos Impostos, mas agora interessa perceber da viabilidade desta solução. Sim, porque facilmente se alegará que é impossível. Esse argumento terá provavelmente duas facetas, uma técnica e outra social.
A impossibilidade técnica versará sobre a complexidade do problema. Sobre ser impossível medir o sucesso de como as pessoas gerem a sua contribuição. Sobre não ser possível tratar toda a informação ou categorizá-la. Creio que tal como a invenção da imprensa, também aqui as técnicas já existem hoje em dia, é apenas necessária combiná-las de forma adequada.
Já a impossibilidade social é mais subtil, pois está ligada ao poder. Mas o principal argumento terá a ver com as pessoas poderem não ser capazes de tomar as decisões certas. Também aí, o exemplo da imprensa de Gutenberg pode ajudar, pois muito provavelmente um dos argumentos contra a tradução da bíblia seria a sua má interpretação pelos leigos. Mas a história encarregou-se de mostrar precisamente o contrário.
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